As Incríveis
Aventuras do Anjinho do Pastor
Odilon
Massolar Chaves
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Toda
gloria a Deus!
Odilon
Massolar Chaves é pastor metodista aposentado, doutor em Teologia e História
pela Universidade Metodista de São Paulo.
Sua
tese tratou sobre o avivamento metodista na Inglaterra no século XVIII e a sua
contribuição como paradigma para nossos dias.
Foi
editor do jornal oficial metodista e coordenador de Curso de Teologia.
Declaração
de direitos autorais: Esses arquivos são de domínio público e são
derivados de uma edição eletrônica que está disponível no site da Biblioteca
Etérea dos Clássicos Cristãos.
Rio de Janeiro –
Brasil
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“Eu devia ter uns três anos. Chovia muito na
casa. Havia um valão dentro da propriedade que tinha algumas árvores.
Lembro que meu pai disse para mim: - não suba
na árvore. Você pode cair.
Mas foi como se ele dissesse: Suba na árvore.
Só foi ele sair, que comecei a subir na
árvore. Eu era muito esperto, ativo, ágil.
Certamente, acreditei que poderia mostrar ao
meu pai que poderia subir, sem problemas.
Mas tinha chovido e a árvore era como um limo
puro, escorregadio.
Eu caí e quando vi estava dentro do valão que
havia enchido com a chuva”.
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Ponte de Itaocara, rio Paraíba do Sul e Serra
Elefante onde aconteceram muitas aventuras [1]
Índice
·
Introdução
·
Tirado
das águas
·
A
vassoura e a leitoa
·
As
músicas religiosa e secular na nossa vida
·
Contra o
racismo
·
Os
estudos em Laranjais
·
Surge o
Pingo D’água
·
Ajudante
de pescadores
·
Pescando
e dormindo com pescadores numa ilha
·
Aventura
em meio ao perigo
·
O
jornaleiro da cidade
·
Uma
pedrada não abalou uma amizade
·
O padre,
o livro e o futebol
·
Salvo por
um anjo
·
Rin-Tin-Tin
e a Serra Elefante
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Introdução
As Incríveis Aventuras do Anjinho do Pastor é um livro sobre
aventuras da minha infância.
O livro tem um propósito espiritual e para
realçar os valores de um tempo que passou.
Foram
aventuras que moldaram meu caráter em minha infância
Éramos chamados de “anjinhos do pastor”
porque somos filhos de pastor, rev. Adherico Ribeiro Chaves, e vivíamos
aprontando na cidade de Itaocara, RJ.
Meu irmão Oto era chamado de “Diabo loiro”.
Daí dá para ver a intenção de nos chamarem assim.
São histórias que me moldaram o caráter. Pode
não dizer muito para uma ou outra pessoa, mas para mim marcaram tanto que não
esqueci.
Meu mano Omir escreveu o livro “Os anjinhos
do pastor” que conta diversas aventuras nossas na infância, em Itaocara, RJ.
Esse livro, contudo, tem o propósito de
mostrar também a mão de Deus em minha formação e condução.
Muitas outras histórias ficaram de fora por
não estarem dentro do proposito deste livro.
Agradeço aos manos Odisia e o Oto pela
colaboração, bem como ao Jaelson Alves. Agradeço à Valéria Giorno Chaves pelas
correções.
Entre nessa aventura também na leitura deste
livro.
O Autor
Tirado das águas
Nasci em Lajinha, MG, e logo meu pai foi
transferido para à Igreja Metodista de Castelo, ES, onde ficou quatro anos
(1950-1954).
Tenho algumas boas lembranças da infância,
mas a que mais marcou minha vida aconteceu em casa de alguns parentes em
Celina, ES.
Eu devia ter uns três anos. Chovia muito naquele
dia. Havia um valão dentro da propriedade que tinha algumas árvores.
Lembro que meu pai disse para mim:
-Não suba na árvore. Você pode cair.
Mas foi como se ele dissesse: Suba na árvore.
Só foi ele sair, que comecei a subir na
árvore. Eu era muito esperto, ativo, ágil.
Certamente, acreditei que poderia mostrar ao
meu pai que poderia subir, sem problemas.
Mas tinha chovido e a árvore era como um limo
puro, escorregadio.
Eu caí e quando vi estava dentro do valão que
havia enchido com a chuva.
Lembro que fiquei submerso sendo levado pelas
águas, mas institivamente ou por Deus levantei uma mão. Minha irmã Osmara
correu e me pegou pela mão me tirando da água.
Tinha uns três anos, mas lembro que fiquei
com uma vergonha imensa, pois fui colocado pelado em uma bacia com as pessoas à
volta e me deram banho com água quente.
O valão estava cheio de lama e eu tinha
ficado cheio de lama.
Eu não sou Moises, mas fui “tirado das águas”
e, mais tarde, conduzi o Povo de Deus como pastor.
A vassoura e a leitoa
Gostava de viajar a cavalo com meu pai em suas
visitas pastorais na roça em Anta, na década de 50.
Vivi em Anta de 4 aos 8 anos.
Uma vez fui com meu pai numa dessas visitas e
chegando em uma casa depois de uma boa viagem logo vi que a casa estava suja.
Peguei a vassoura feita de sapê e fui logo
varrendo e dizendo que a casa estava muito suja.
Depois, comecei a gritar para o morro
chamando pelo meu irmão Onil, acreditando que ele estava logo após o morro.
Coisa da imaginação da criança. Não tinha
ainda a consciência da distância percorrida.
Mas o membro da igreja e morador da casa
perguntou a meu pai se eu era doido... Depois, meu pai contou essa história.
Em outra ocasião fui com meu pai visitar uma
família na roça. Sempre a cavalo.
Ela havia
matado uma leitoa para nós, na verdade, para meu pai.
Mas o trabalho pastoral tem muitas tarefas e
ele chegou atrasado.
Lembro que, quando estávamos chegando, a dona
da casa estava almoçando com a família e foi logo dizendo: - como o senhor
demorou, começamos a almoçar.
Mas, claro, ainda almoçamos juntos.
Anos mais tarde, em Laranjais, andava a
cavalo com um amigo da Igreja. Ele estava na garupa e, quando o cavalo parou,
ele caiu e me puxou. Cai em cima do braço esquerdo e precisei tomar muitos
banhos de luz.
Andar a cavalo ficou meio difícil. Mas depois
fui um cavaleiro do Evangelho de Jesus.
As músicas religiosa e secular na nossa vida
Em Anta, Estado do Rio de Janeiro, vivi dos
quatro a oito anos (1954-1958).
A Igreja Metodista e a casa pastoral ficavam
em frente à Igreja Católica, que está localizada num pequeno morro.
Além de gostar de descer o morro escorregando
com meus irmãos com cachopa e papelão, um fato marcou muito minha vida. Todo
dia, às 18h, tocava no alto falante a “Ave Maria”.
A Ave Maria foi ouvida por mim 365 vezes por
ano durante quatro anos...
Lembro uma vez que tocou a “Ave Maria” e eu
me dei conta que já era tarde. Eu estava à beira do rio Paraíba com os pés
dentro d’água.
Era hora de voltar logo para a casa...
Mais tarde, na minha adolescência, fomos
morar em Itaocara numa casa alugada ao lado do cinema da cidade.
Toda noite, antes de começar os filmes era tocada
a música “I can't stop lovin' you,” de Ray Charles.
E foi nessa época que surgiram os Beatles e a
Jovem Guarda. A música “Help” dos Beatles e “E que tudo mais vá pro o Inferno”
do Roberto Carlos foram muito badaladas.
Foi contagiante.
Lembro que, em 1962, uma caravana da Rádio
Globo foi em Laranjais. E lá estava Roberto Carlos, simples, cantando suas
músicas no coreto. E chovia muito, mas ninguém foi embora...
Lembro
também que o cantor Jerry Adriani foi uma vez no cinema da cidade de Itaocara
para fazer um show beneficente promovido pelo “Irmão Pedro” que tinha um
orfanato.
Lá estávamos!
E vivemos intensamente toda essa época.
Uma época de sonhos, simplicidade e de
alegria sadia.
Os “anjinhos do pastor” também gostavam de
música. O Onil aprendeu a tocar violão e sempre tocava. Ele gostava de tocar e
cantar a música “A casa do Sol Nascente”, cantada pelo grupo “The Animals”, que
no original tem uma letra de alerta a juventude, muito bíblica, mas que no
Brasil foi traduzida com ênfase romântica.
O primeiro verso da música no original diz:
“Há uma casa em Nova Orleans
Eles a chamam de Sol Nascente
E tem sido a ruína de muitos garotos pobres
E, Deus, sei que sou um deles”.
Um outro verso diz:
“Oh, mãe, diga aos seus
filhos
Para não fazerem o que eu fiz
Desperdiçar a vida com pecados e miséria
Na Casa do Sol Nascente”.[2]
Uma letra que poderia ter
ajudado a muitos jovens, se tivesse sido traduzida corretamente do original.
Contra o racismo
Na minha infância (1959-1960), em Barra do
Pirai, RJ, algo que me encantava era a TV. Como em nossa casa não tinha TV, estávamos
sempre na casa do vizinho para ver as aventuras do Rin-Tin-Tin, desenhos
animados, filmes. Até as propagandas traziam grande admiração e influência.
Certa vez, disseram de que havia um carro trazendo o sabão em pó Rinso para um armazém
perto de nossa casa. O Rinso havia se tornado na década de cinquenta o
principal sabão em pó. Uma propaganda mostrava um homem dizendo: “Ué! Seu
paletó está mais branco do que o meu?” A outra pessoa respondia: “Claro! Meu
paletó é lavado com RINSO”.[3]
Quando cheguei no armazém quis agradar os
vendedores e fiz uma ingênua e infeliz pergunta para um negro que trabalhava no
armazém: “Por que você não toma banho com Rinso para ficar branco?”.
Só lembro de que ele imediatamente pegou uma
placa de propaganda que ficava nos sacos de alimentos e jogou em mim com toda violência.
Só tive tempo de me abaixar e sair correndo...
Não vi mais nada...Mais tarde, um dos meus
irmãos disse que a placa pegou perto da boca de uma criança e cortou. Ele teria
sido mandado embora.
Isso me marcou muito e tive muito medo de sua
reação. Ele era nosso vizinho e seu filho era nosso amigo. Eles moravam em
frente da Igreja, que ficava perto de nossa casa. Lembro de que seu filho sempre pegava um carrinho de mão para pegar
lavagem para os porcos que eles criavam.
Quando meu pai foi transferido de Barra do
Pirai para Laranjais fiquei aliviado.
Isso certamente me marcou muito. Em Laranjais
havia uma pessoa negra que tinha alguns dedos do pé cortado. Quando as crianças
zombavam dele o chamando de “Neguinho cotó” eu sentia uma dor e tristeza muito
grande e tinha vontade de chorar. Às vezes, chorava.
Durante minha vida, sempre fui amigo das
pessoas negras. Alguns eram meus principais amigos. Uma dessas pessoas foi o Abizail,
que trabalhou comigo no orfanato Metodista Ana Gonzaga, em Inhoaiba.
Sempre lutei contra o preconceito e escrevi
sobre a luta do metodismo contra o racismo. Um dos últimos artigos que escrevi foi
publicado no Expositor Cristão em 2022 chamado “O legado de mulheres negras
metodistas no Caribe”.
Uns trinta anos depois, o
pastor metodista Delson Goulart pastoreava à Igreja Metodista de Barra do Pirai
e me convidou para realizar um Seminário na Igreja. Minha filha Luciana quis ir
comigo.
Foi muito bom rever os lugares
onde passei parte da minha infância.
Em certo momento, eu estava em
frente da Igreja, do outro lado da calçada, e vi saindo de uma casa um homem
negro baixinho. Ficou perto de mim.
Cumprimentei e, depois de um
tempo, cheguei a conclusão de que aquele homem negro e baixinho era o mesmo
homem negro com o qual tive problemas anos atrás.
Não falei nada, mas vi que ele
parecia em paz e que eu também não precisava ter medo. Eu também estava em paz.
Certamente, Deus me
proporcionou esse momento.
Os estudos em Laranjais
Meu pai foi nomeado para Laranjais
(1960-1961), uma cidade que tinha poucos recursos.
Minha irmã Odisia teve que ir estudar em
Itaocara num internato durante dois anos porque não havia colégio para ela. Meu
irmão Onil teve que perder um ano porque não havia ainda a série para ele no
colégio que estava começando.
Eu estudava no 2º ano primário numa sala que
tinha poucos recursos. Uma de minhas professoras se chamava Adélia. Gente
maravilhosa.
Tudo era precário. A mesa onde eu e outros alunos
colocávamos os cadernos para escrever era cheia de buracos e havia dificuldades
de ter um lugar adequado para escrever. A escola era uma casa adaptada.
Por outro lado, minhas irmãs Osmara e Osny
passaram a dar aula.
Estava começando um colégio na cidade e eles aproveitaram
a chegada da família pastoral para ajudar. A diretora era “dona Jacinta”, mãe
de Genelcy e Jaelson.
A Osmara lecionou francês e a Osny dava aula
particular. Meu pai foi chamado para ajudar no colégio que estava começando e
havia falta de professores. Ele lecionou história.
A casa pastoral ficava atras do templo numa
área bem grande, que serviu para os alunos e alunas do colégio fazerem educação
física, pois o colégio ficava ao lado do templo metodista.
Quando meu pai se mudou para Itaocara, minhas
irmãs e meu pai tiveram a chance de cursarem o Curso Normal e se formarem.
Eu sempre tive muitas dificuldades nos
estudos. Tinha dificuldades de concentração, pois “voava muito”, e, misturado
com a timidez, então, repeti algumas séries.
Cheguei a parar de estudar durante três anos.
E ter terminado o colegial, cientifico, bacharel em teologia, mestrado e
doutorado foi só por muita determinação, firme propósito e benção de Deus.
Surge o Pingo D’água
Quando chegamos em Laranjais, em 1961,
procuramos conhecer logo as pessoas. O templo foi construído no início da
história da cidade e fica na rua principal.
Uma das primeiras pessoas que nos acolherem
foram Valdeir e Genelcy, que mais tarde se casaria com minha irmã Osny. Genelcy
era irmão de Jaelson Alves, gente maravilhosa, que era o goleiro do Brasil Esporte Clube, time da cidade. Seu pai Genelson
tinha uma farmácia na rua principal da cidade.
Havia gente talentosa em Laranjais.
Do Brasil
Esporte Clube surgiu Paulo Borges, que foi campeão pelo Bangu (1966) e jogou pelo
Corinthians (1968-1974). Na época, foi o maior ponta direita da América do Sul. [4]
Chegou a ser convocado para a Seleção brasileira.
Seus pais eram pessoas simples. Seu irmão
Bebeto era nosso amigo.
Um dia, Paulo Borges visitou nossa família em
Itaocara. Falei que ouvia no rádio sobre os treinos do Bangu e que ele sempre
fazia gols. Ele respondeu que no treino era fácil, mas no jogo era mais
difícil, pois quando você recebia a bola já tinha alguém em cima de você para
tomar a bola.
Havia muitos talentos em Laranjais. Valdeir
era um deles. Ele gostava de música e de teatro. Fazia parte do clube da cidade,
que fica numa casa na Rua do Sapo. É que quando chovia, apareciam sapos na rua,
que não era calçada.
Um dia ele me convidou para fazer parte de um
teatro.
Fiquei entusiasmado. Minha parte era subir
numa cadeira e plantar uma bananeira. Quando eu estava de cabeça pra baixo,
alguém rasgava uma roupa, como se meu short se rasgasse. Só isso, mas eu era um
artista...
Meu nome era Pingo D’água.
Contudo, tive uma pequena dificuldade no início.
A peça era exatamente no horário do culto de domingo. Eu era filho do pastor e
meu pai fazia questão que nós estivéssemos na Igreja.
Conversei com meu pai que relutou em me
deixar sair na hora do culto.
Lembro que ele estava pregando, olhou para
mim e fez um sinal com a cabeça para eu sair.
Certamente, ninguém entendeu aquele sinal,
mas eu sai e fui fazer meu papel de Pingo D’água.
Até hoje acho essa atitude de meu pai
fantástica porque ele era muito rígido e agiu com sabedoria e amor.
Não lembro de ter acontecido isso mais e esse
fato não me impediu de sempre frequentar à Igreja. Aliás, em Laranjais me
tornei membro da Igreja.
Quanto ao Valdeir, anos mais tarde o
encontrei em Laranjais onde fui participar de uma reunião de pastores e lhe dei
um livro meu.
Ajudante de pescadores
Eu sempre fui um aventureiro. Gostava de subir
montanhas, nadar e pescar.
Em Laranjais, eu e meus irmãos gostávamos de
pescar com peneira em pequenos riachos. Uma vez, pegamos uma traíra de 1,650 Kg.
Aos domingos, alguns moradores da cidade
gostavam de sair para pescar com rede em um pequeno rio fora da cidade.
Não sei como, mas um dia eu me vi na
carroceria da caminhonete com alguns adultos para ir ajudar na pescaria. E foi
assim muitas vezes.
A caminhonete era de um senhor que tinha uma
loja no centro da cidade, quase em frente da Igreja.
Era “Seu Nagib”, um torcedor do Vasco da
Gama. Uma pessoa de um grande coração. Era dono também do único do cinema da
cidade, que só tinha uma máquina para passar o filme. Sempre que acabava o
rolo, tinha que esperar colocar o outro rolo de filme. Eu sempre procurava dar
um jeito de ir ao cinema.
Muitas
vezes, entrei escondido...Uma vez, entrei escondido e coloquei a blusa tapando
minha cabeça, mas chamou mais atenção, mas não fui descoberto.
Mas, voltando à pescaria. Eu era o
responsável de guardar e vigiar os peixes num saco, que eram apanhados na
pescaria.
No dia que meu pai se mudou para Itaocara,
ele foi se despedir de alguns homens da cidade e eu estava junto. Um deles, disse:
- é ... vamos perder nosso ajudante de pescaria.
Mais tarde, fui chamado por Jesus, como os
discípulos, para ser pescador de vidas.
Pescando e dormindo com pescadores numa Ilha
Ao sair de Laranjais, meu pai começou
um
trabalho missionário em Itaocara (1963-1966).
Algumas famílias metodistas já moravam na
cidade, como a família Py em cuja casa começaram as reuniões da Igreja.
Algumas outras se converteram, como uma
família de pescadores, que moravam numa
ilha em meio ao Rio Paraíba que passava na
cidade.
Os adolescentes Luiz Carlos, Biica e Paulinho
se tornaram nossos amigos.
Eles pescavam e saiam depois para vender os
peixes na cidade, como Laranjais.
Um dia decidi ir com eles pescar. Eles foram
para longe da cidade e acamparam numa ilha.
Chovia o tempo todo. Dormimos numa barraca. O
banheiro era no mato em meio à chuva.
Muito molhado fui com eles à cidade de
Laranjais vender os peixes. Lá eu fui reconhecido...
Foi uma experiencia marcante, mas decidi
depois voltar para casa devido à precariedade do lugar. Contudo, senti na pele
a luta que eles tinham para a sobrevivência.
Lembro que quebrei muitas pedras para a
construção do templo de Itaocara. Meu pai pagava por cada latão cheio. Eu tinha
uns 14 anos.
Em 1965 foi inaugurado o templo da Igreja Metodista
de Itaocara, hoje uma das maiores da cidade.
Aventura em meio ao perigo
Sinceramente, não sei como conseguimos nos
livrar de tantos perigos. Na verdade, sei. Foram as orações de nossos pais e
irmãs.
Em Itaocara há uma famosa ponte sobre o rio
Paraíba do Sul. Foi construída em 1936 com cerca de um quilometro de extensão.
É um dos cartões postais de Itaocara e já foi a maior ponte da América Latina. [5]
Parte da ponte está sobre a terra. Muitas
vezes, como adolescentes, subi e andei em cima do corrimão. Se caísse, não dava
para sobreviver.
Foi muito insano...
Mas vivíamos mesmo é no rio Paraíba do Sul.
Era a nossa “praia”. Muitas vezes, o rio ficava muito cheio. Lembro que chegou
a invadir à cidade quando morávamos lá.
Mas para nós, isso se tornava um atrativo a
mais.
Certa vez, um jovem mais velho do que eu e
mais preparado fisicamente, filho de uma das famílias bem financeiramente da
cidade, decidiu ir nadando até parte do rio onde ficava um dos pilares da ponte
distante uns 200 metros.
Eu me senti seguro indo com ele, afinal, ele
sabia nadar muito bem. O rio estava muito cheio. Mas ele decidiu subir pelo pilar
da ponte e chegou logo em cima da ponte me deixando para trás...
Como eu era menor, não conseguia subir. Logo
avisaram em casa que eu estava preso no pilar da ponte.
Minha irmã Osmara apareceu do outro lado do
rio.
Então, tomei coragem, pulei e nadei com todas
as forças para chegar do outro lado.
Foi uma lição que aprendi.
Às vezes, acompanhamos às pessoas, mas elas
podem nos deixar sozinhas em meio aos perigos.
O jornaleiro da cidade
Em Itaocara, eu trabalhei na minha
adolescência como engraxate. Eu e meu irmão Oto. Papai construiu uma caixa de
engraxate para nós dois. Ficávamos no centro da cidade engraxando os sapatos
das pessoas. Cada um com sua caixa. Às vezes, em festas, ficávamos até à noite.
Mas fui chamado também a vender jornais que
chegavam no ônibus que vinha de Niterói.
Um senhor turco queria que as pessoas lessem
os jornais do dia. Era pai do Jorginho “Turquinho”, um amigo das partidas de
futebol.
Minha função era pegar os jornais no ônibus,
de manhã, e sair oferecendo às pessoas, inclusive aos domingos, o que me fazia
perder a Escola Dominical.
Dentre os jornais estava a Última Hora.
Depois, o dinheiro eu depositava no Banco e
dava o recebi de depósito ao dono.
Retirava o meu pagamento e geralmente ia na
padaria do “Seu Resende” e fazia um lanche comendo um sanduiche e uma Fanta
laranja...
Nem pensava em guardar dinheiro.
Um dia quando mudamos para Nova Friburgo, eu
andava à noite pela rua principal da cidade admirando a beleza do lugar e
encontrei meu amigo Jorge, o “Turquinho”.
Ele me perguntou se não havia um lugar para
eles dormirem. Eles estavam de Kombi e era muito tarde para irem para Itaocara.
Além dele e seus pais, havia alguns funcionários do laboratório.
Fui em casa e conversei com meu pai e eles
dormiram no salão da Igreja. Na verdade, fiquei constrangido, pois queria que
eles tivessem um quarto...
De
manhã tomaram o café em casa com meus pais.
Anos depois, eu me tornei o Editor Chefe do
Expositor Cristão, órgão oficial da Igreja Metodista e, anos depois, Editor
Nacional da Igreja Metodista.
Certamente, uma semente foi lançada na minha
infância como jornaleiro da cidade.
Uma pedrada não abalou uma amizade
Uma pelada de futebol acontecia dentro do
campo de futebol da cidade com alguns amigos, dentre eles, Luiz Carlos Milazo,
que viria a ser um jogador de futebol profissional jogando em alguns clubes
como o Madureira.
Foi
pai de Richarlison, que jogou no Vasco da Gama, mundo árabe e México, etc.
No meio da pelada, alguém gritou para “dar
porrada” (dar pontapé um no outro).
Quando me deram pontapé, fiquei irado. Logo
peguei uma pedra e para minha defesa virei e joguei sem saber para onde. Só que
pegou atrás da cabeça do Luiz Carlos, quando ele se virou para se defender, bateu
em sua cabeça e começou a sair muito sangue.
Foi levado para a farmácia do Otílio Pontes,
a principal no centro da cidade e logo quiseram saber quem fez isso...
O pai do Luiz Carlos disse para ele fazer o
mesmo comigo.
Resultado, durante dois dias dormi num
caminhão perto de nossa casa com medo de meu pai. Meus irmãos levaram comida
para mim.
Fiquei três meses sem sair para brincar na
cidade...
Mas ele não se vingou. Continuamos amigos.
Tempo mais tarde, o Luiz Carlos morou durante cerca de um mês em nossa casa em
Friburgo quando foi treinar no futebol de Friburgo.
Anos mais tarde nos encontramos em Itaocara e
ele disse feliz da vida: “Ganhei meu dia”.
Dei alguns
dos meus livros para ele.
Infelizmente, por causa do fumo, morreu de
câncer.
Antes dele falecer, enviei mais um livro para
ele, que disse: “Foi o melhor presente que ganhei”.
O padre, o livro e o futebol
Na década de sessenta, o Papa João XVIII
convocou o Concílio Vaticano II (1962-1965) para tratar, dentre outras coisas,
do ecumenismo.
Na área de Laranjais e Itaocara havia uma resistência
ao ecumenismo. Os evangélicos não eram suportados.
Lembro que em Laranjais meu pai recebeu, em
1961, o padre Saraiva (depois Monsenhor Saraiva) em nossa casa pastoral, que
era padre de Itaocara. Foi um acontecimento na cidade.
Mas a visita, na verdade, foi para o padre
pedir desculpas por um ocorrido com a sua aluna Odisia em sala de aula, em
Itaocara.
A Odisia havia emprestado um livro a um
colega antes do padre Saraiva entrar e começar a aula. Ele não permitia outro
livro na sua aula. Ele viu o livro com um aluno e o livro foi rasgado sem ele
saber que era da Odisia, a filha do pastor metodista que estava evangelizando
em Itaocara.
Quando
ele soube que era da Odisia, ficou desesperado...Resumindo, quis ir em
Laranjais explicar ao meu pai o que havia acontecido.
O padre Saraiva, mais tarde, deu um outro
livro de presente a Odisia. Mais adiante, convidou meu pai para a cerimônia da
sua consagração como monsenhor e meu pai foi. Ele chegou a repreender um
religioso que, quando soube que papai era um pastor, não quis cumprimentá-lo.
Demonstrando humildade, chegou a ir na casa
pastoral em Itaocara pedir oração ao papai porque ele estava prestes a ser
preso por causa do golpe militar de 1964. Foi escondido e humildemente se
ajoelhou para papai orar.
Em uma
entrevista, Monsenhor Saraiva relatou todo drama que passou, mas que venceu.[6] A
pedido do Presidente Jango, ele havia falado num comício e alguns jornais e
líderes da oposição distorceram suas palavras.
Monsenhor Saraiva, muito respeitado, é uma
figura importante na história de Itaocara. Algumas vezes, levei os jornais em
sua casa para ver se ele queria comprar.
Em Itaocara (1963-1966) havia duas coisas
maravilhosas para mim: nadar no rio Paraíba e jogar futebol.
Assistíamos jogos e jogávamos futebol em
todos os lugares.
Certo dia, um dos meus amigos me perguntou se
eu não iria participar do torneio de futebol que a Igreja Católica estava
promovendo. Ele me disse a hora da reunião e fui.
Quando entrei no templo católico, no centro
da cidade, meus amigos logo fizeram o sinal da cruz. Eu fiquei no meu canto
constrangido.
Para piorar, um amigo me perguntou em um tom
curioso - você também vai jogar?
Logo o padre auxiliar chegou e disse que eu
era bem-vindo. Disse que era muito importante a minha participação. Foi um
alívio.
Fui goleiro de um dos times no torneio de
futebol de salão e não fiz feio.
Na verdade, movido pelo futebol e com o
coração aberto, ficou sendo uma atitude bonita por ser o único evangélico
jogando num torneio só de católicos.
Durante minha vida, essa foi uma prática
comum: respeitar as religiões e pregar o amor.
Quando fui pastor e Superintendente Distrital
na Baixada Fluminense tivemos um bom contato e até trabalho em comum com Dom
Ivo Morelli, que era um líder católico conhecido nacionalmente em sua luta
pelos direitos sociais.
Lembro que nas cidades de Itaguai, Carmo e
Cassimiro de Abreu procurei os padres para termos um bom relacionamento. Dei
livros meus para eles.
Na verdade, até com os espíritas sempre tive
um grande respeito.
Certa vez, em Teresópolis, fui à casa de uma “Mãe
de Santo” pedir desculpas porque eles haviam realizado uma festa religiosa numa
rua e um grupo de evangélicos foi lá realizar um teatro em meio às barracas
para evangelizar. Dentre eles, havia um metodista.
Uma mulher metodista moradora no bairro
estava preocupada. Perguntei o que achava de eu ir conversar com a “Mãe de
santo”. Ela achou positivo e fomos.
Ora, o Centro Espírita era perto de uma
congregação metodista, na mesma rua, no bairro Corta Vento. Eu tinha que ter um
bom relacionamento além de respeitá-los como um cristão.
No final, ela agradeceu e ainda falou muito
bem dos evangélicos.
Éramos chamados de “anjinhos do pastor”, mas
não fazíamos mal a ninguém. Apenas gostávamos de aventuras e pegávamos manga no
quintal das pessoas, como outras crianças.
Um dia caminhava com meu irmão Omir pela rua
e vimos uma pessoa precisando de ajuda para empurrar seu carro. Logo começamos
a empurrar. Acredito que deveria ter mais alguém ajudando.
Eu devia ter uns 14 anos e o Omir uns 6 anos.
Quando o carro “pegou” instintivamente, eu e
meu irmão, sentamos no para-choque traseiro para pegar uma carona. Era apenas mais
uma aventura.
Mas o
que não esperávamos aconteceu. O motorista parou o carro e imediatamente
começou a dar marcha à ré em velocidade. Seguramos para não cair, mas o que
temia aconteceu: o Omir caiu e foi para debaixo do carro. Meu coração tremeu,
mas o improvável aconteceu: o carro de repente parou.
Olhei para debaixo do carro e o Omir estava
bem. Não havia se machucado.
Durante anos, não entendi porque aquele carro
havia de repente parado. Só sempre agradeci a Deus.
Mas uns trinta anos depois, o mistério foi
desvendado. Era pastor em Carmo e recebi uma caravana em ônibus da Igreja Metodista
de Itaocara para participar do culto. Eles vieram com um grupo musical de
homens maravilhoso.
Israel foi também. Ele é um presbiteriano que
sempre frequentou à Igreja Metodista porque em Itaocara não havia a Igreja
Presbiteriana. Era casado com uma metodista e trabalhava para o governo.
Conversando com ele, Israel contou sobre
aquele fato. Disse que estava trabalhando e da janela do serviço, naquela rua,
acompanhava nossa atitude de ajudar. Viu quando o carro de repente começou a
dar marcha à ré e percebeu o perigo. Logo gritou para o motorista parar o
carro.
Foi o que aconteceu.
Desvendado o mistério. Um anjo nos livrou...
E quantos outros anjos certamente nos
livraram nesta vida!
Rin-Tin-Tin e a Serra Elefante
Os anjinhos do pastor tinham também um
cachorro chamado Rin-Tin-Tin.[7] A Osmara
ganhou em Barra do Pirai e nós decidimos cuidar dele. Cresceu e nos acompanhava
em nossas aventuras em Laranjais e Itaocara.
Em Itaocara tem uma famosa serra.
“Símbolo do município de Itaocara, a
Serra da Bolívia fica na cidade de Aperibé. Esse patrimônio natural é conhecido
como Serra Elefante devido
a sua formação rochosa em formato de um elefante deitado. Às margens do Rio
Paraíba do Sul, a montanha tem cerca de 400m de altitude e está sendo tombada como área de preservação ambiental”.[8]
Um dia decidimos escalar esse morro. Os
anjinhos e mais o “Rinti”, como a gente o chamava, mais uma vez se aventuraram.
Não foi fácil.
De longe parecia mais fácil. Levamos muito
tempo para subir. As unhas do Rin-Tin-Tin ficaram gastas de tanto ele se
esforçar para subir nas pedras.
Uma surpresa nos animou mais ainda. Eu ia na
frente e de repente vi macacos e gritei para todos.
Eu me apressei na ingênua imaginação de pegar
algum macaco.
Eles eram ágeis e pulavam de uma pedra para
outra.
Havia capim gordura bem alto no caminho, que
nos cortava. Meus joelhos ficaram feridos.
Quando, por fim, chegamos lá em cima, os
macacos haviam sumido.
Tivemos uma sensação de vitória. Muitos nem
acreditaram que fomos até em cima da serra.
Uma aventura que ficou na história.
Uma grande tristeza em Itaocara foi a morte
do Rin-Tin-Tin provavelmente por determinação da prefeitura. Deram “bola” e
depois foram busca-lo... Meu pai fez de tudo para salvá-lo.
Os anjinhos o acompanharam quando o levaram
para ser enterrado debaixo da ponte.
Com isso começou a desmoronar muitos dos
nossos sonhos.
Entendemos que o mundo tem muita maldade. Mas
também fomos despertados a lutar pela natureza de Deus.
Hoje essa serra está sendo tombada como área
de preservação ambiental.[9] Uma consciência de preservação da natureza na cidade depois de tantos
anos nos alegra.
Esperamos que também sejam protegidos os
pássaros e os animais.
[1] https://br.pinterest.com/
pin/502362533453181642/
[2]
https://www.letras.mus.br/the-animals/302271/traducao.html
[3] https://www.saopauloinfoco.com.br/historia-do-rinso/
[4] “Paulo Borges fez o primeiro gol do Corinthians, no dia 6 de
março de 1968, na célebre noite em que finalmente caiu o tabu do Santos contra
o Timão. O jogo terminou 2 a 0 para o Corinthians, numa quarta-feira à noite,
no Pacaembu, gols de Paulo Borges de pé esquerdo e de Flávio Minuano de pé
direito. Era o fim do tabu que durou 10 anos com o Santos de Pelé só ganhando
ou empatando com o Corinthians em jogos do Campeonato Paulista”. https://terceirotempo.uol.com.br/que-fim-levou/paulo-borges-3748
[5]
https://blogdotadeumiracema.blogspot.com/2016/05/ponte-ary-parreiras-de-itaocara-oito.html
[6] Para
conhecer mais sobre a história do Monsenhor Saraiva veja sua entrevista no
site: https://www.itaocararj.com.br/monsenhor-saraiva/amp/
[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Rin-Tin-Tin
[8]
https://www.serranewsrj.com.br/2021/06/animais-reaparecem-na-serra-da-bolivia-apos-preservacao-ambiental.html#
[9]
https://www.serranewsrj.com.br/2021/06/animais-reaparecem-na-serra-da-bolivia-apos-preservacao-ambiental.html#
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