A evangelização libertadora de Jesus
Odilon Massolar Chaves
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Art. 184 do
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publicados na Biblioteca Wesleyana: 134
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Odilon Massolar Chaves é
pastor metodista aposentado, doutor em Teologia e História pela Universidade
Metodista de São Paulo.
Sua tese tratou sobre o
avivamento metodista na Inglaterra no século XVIII e a sua contribuição como
paradigma para nossos dias.
Foi editor do jornal oficial
metodista e coordenador de Curso de Teologia.
É escritor, poeta e youtuber.
Toda glória seja dada ao Senhor
Rio de Janeiro - Brasil
DEDICATÓRIA
Dedico este livro a todos os cristãos, na América Latina,
que lutam contra as forças da morte;
Aos meus colegas, que proclamam e vivem o Evangelho
Libertador;
Aos meus pais, Adherico e Roza, em memória, pela dedicação
e fidelidade ao Evangelho.
Dedico ao meu Senhor, que me inspira, fortalece, capacita e
me usa.
ÍNDICE
Dedicatória
Introdução
Profecias
e esperanças sobre o Messias e a Boa Nova o Jesus
A
comunicação da Boa Nova Libertadora
A
Concretização da Boa Nova Libertadora
A
Conversão e a Boa Nova Libertadora
A
Evangelização nos demais Livros do Novo Testamento
A
Evangelização no contexto de sofrimento e opressão
A Evangelização que devemos praticar à luz do ensinamento
de Jesus e no contexto da América Latina
Bibliografia
INTRODUÇÃO
O
tema "evangelização" tem sido um dos mais discutidos pela Igreja, na atualidade.
Ultimamente tem havido vários Institutos Ministeriais, Congressos e Seminários
de Evangelização, organizados pelos Órgãos gerais, regionais, igrejas locais e
Igrejas Evangélicas em conjunto.
A
evangelização, ao longo dos séculos, tem sido entendida de diferentes maneiras.
Os missionários portugueses, quando chegaram ao Brasil, identificaram
evangelização com colonização e, consequentemente, com dominação. Os índios, e
depois os escravos foram "cristianizados" desta maneira. Por outro
lado, os missionários protestantes, quando chegaram ao Brasil, entenderam que a
evangelização implicava também em transportar toda a sua cultura para o
convertido, ou seja, seu modo de pensar, modo de vestir, modo de proceder.
Evangelizar era fazer a pessoa mudar da cultura brasileira para a
norte-americana.
Evidentemente,
com o passar dos anos, tanto norte-americanos como brasileiros, questionaram
este tipo de evangelização. Contudo, esta mentalidade ficou entre muitos
evangélicos brasileiros. Ainda hoje, a preocupação máxima tem sido com os
diferentes métodos de evangelização.
Este
livro não pretende abordar os métodos mais modernos de evangelização. Pretende,
ao contrário, se aprofundar no conteúdo, pretende voltar às raízes, procurando
"retirar o mato e a terra que encobrem a raiz".
Este
livro abordará a evangelização em Jesus a partir da orientação dos Evangelhos
sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), pois é ali que está registrada a proposta
de evangelização de Jesus. O Evangelho de Marcos, inclusive, começa assim:
"Princípio do Evangelho de Jesus Cristo..." (Mc 1.1).
É
preciso entender que Paulo deu um outro enfoque na evangelização. Ele enfatizou
mais o "Cristo crucificado" como sendo o conteúdo da evangelização.
Como somos muito "paulinos", geralmente, só seguimos a proposta feita
por ele.
Jesus
enfatizou mais a evangelização como sendo anunciar e tornar realidade o Reino
de Deus na vida das pessoas e no mundo. Uma Evangelização que salva e liberta o
ser humano das forças da morte. Evangelização encarnada na realidade do povo.
De
um modo geral, a salvação hoje não é entendida desse modo e sim como aceitação
de Cristo, e a vida eterna no porvir. Por esta razão, a evangelização tem sido
entendida como tendo somente esta função. Quando há uma preocupação com a
evangelização, é somente em relação aos seus métodos para melhor atingir este
objetivo.
Por
este motivo, há necessidade de mostrar o outro lado da moeda: a evangelização
entendida e ensinada por Jesus.
Para
entendermos em profundidade o porque e qual a Boa Nova que Jesus trouxe ao
mundo, é necessário voltar ao Antigo Testamento e ao nascimento de Jesus, onde
a história e as profecias expressam as angústias e esperanças do povo que vivia
oprimido.
Há
um véu que cobre os nossos olhos, impedindo-nos de conhecer realmente a Boa
Nova de Jesus. Este livro tem o objetivo de ajudar a retirar o véu...
HOJE: A ÊNFASE NA PROCLAMACÃO E NA SALVAÇÃO DA
"ALMA"
Os
missionários protestantes norte-americanos, quando chegaram ao Brasil, vieram
com toda uma influência: - Pietismo (que enfatiza o momento devocional, a
leitura solitária da Bíblia, etc.); - Puritanismo (que enfatiza a conversão, o
emocionalismo, a certeza da salvação, a perfeição, etc.); - Evangelho Social
(que enfatiza a transformação da sociedade, a justiça, a liberdade, instalação
do Reino na Terra, etc.); - Liberalismo (que enfatiza a democracia, progresso,
liberdade, etc.), etc.
A
tendência maior, porém, era para um cristianismo voltado mais para o interior
do indivíduo e para a vida eterna. Com o surgimento do Fundamentalismo, por
volta de 1915, e com o surgimento da 1ª Guerra Mundial, o projeto Liberal e do
Evangelho Social de instalar um Reino sobre a Terra vai por água abaixo. Com
isto, é reforçados e enfatizados um Evangelho e uma evangelização voltada para
a transformação do interior do indivíduo e para o Céu. É verdade que alguns
líderes evangélicos enfatizavam a salvação do individual e a salvação social,
mas a grande tendência do meio protestante foi sempre para a salvação
individual.
Falar
hoje em Liberalismo e Evangelho Social é falar em coisas mundanas, pecaminosas.
Hoje,
a preocupação da maioria das Igrejas Evangélicas é somente com a
"espiritualidade", com a "alma" do ser humano. A Igreja não
se preocupa tanto em agir, transformar a sociedade. Sua missão é mais de
proclamar. Por isso, os métodos que a Igreja tem usado são: série de
conferências, visitação e culto em casas, culto ao ar-livre, evangelização
pessoal, distribuição de folhetos, discipulado, etc. É uma preocupação mais com
o indivíduo e com a sua "alma".
As
Igrejas pentecostais têm enfatizado mais a ação do Espírito Santo no ato de
evangelizar. O Espírito capacita para esta tarefa, distribuindo os dons. Esta é
a "novidade" que os pentecostais trouxeram ao evangelismo. Não há uma
preocupação social com o ser humano no ato de evangelizar. Na verdade, a
preocupação social que existe, principalmente, em relação ao necessitado, é de
dar uma roupa, um prato de comida, arranjar-lhe um emprego, etc.
Muitos
não colocam a evangelização como função também de transformar a sociedade.
Qual
a evangelização que a Bíblia mostra nos ensinamentos de Jesus, nos Evangelhos
sinóticos?
ONTEM: A ÊNFASE NA BOA NOVA DO REINO DE DEUS
Para
falar de sua Missão, a Igreja usa as expressões "evangelizar",
"evangelismo" e "evangelização".
O
que vem a significar a palavra "Evangelho", da qual origina a
expressão "evangelizar"?
A
palavra "Evangelho" vem do termo grego “evangelion”. O seu
significado no passado era recompensa dada ao mensageiro ou ações de graças aos
deuses por uma Boa Nova dada por eles. "Por extensão, veio a designar, em
Aristófono, por exemplo, a mensagem propriamente dita, e depois o conteúdo da
mensagem, a Boa Nova anunciada. Assim, o aniversário do imperador Augusto,
chamado deus e salvador, foi festejado come o começo, para o mundo, das Boas
Novas, que ele trazia." [1]
A
palavra "Evangelho" veio assim, de "fora da Igreja". Ela
veio, por fim, após uma evolução, a significar o começo das Boas Novas para o
mundo.
Se
a palavra "Evangelho" significa Boa Nova, qual foi a Boa Nova que
Jesus trouxe ao mundo?
A
Boa Nova foi o Reino de Deus! Jesus deixa claro que a sua Boa Nova era o Reino
de Deus: "O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo.
Convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1.15).
A
Boa Nova, portanto, é anunciar e concretizar o Reino de Deus na vida das
pessoas
e no mundo. Jesus trouxe, com o Reino de Deus, o começo de uma nova Era.
"O significado de Evangelho no Novo Testamento pode ser explicado do
seguinte modo: é a Boa Nova de salvação divina que apareceu em Jesus Cristo; a
Boa Nova que inaugurou a Era Nova, definitiva."[2]
É
preciso perceber que o reino da morte imperava na Palestina. Ele se manifestava
através das possessões demoníacas, através das opressões dos religiosos,
através das diferenças sociais, através do império romano. Suas consequências
eram: fome, doenças, marginalização, pobreza, morte, etc. O Reino de Deus veio
se opor a tudo isto.
Bem
mais claro fica que o Evangelho, a Boa Nova, é o Reino de Deus, quando a Bíblia
diz: "Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas,
pregando o Evangelho do Reino e curando toda e qualquer doença ou
enfermidade" (Mt 4.23).
Percebe-se
aqui a oposição do Reino de Deus ao reino da morte.
Assim,
onde aparece no Novo Testamento, especialmente, nos evangelhos sinóticos,
significa que a Boa Nova do Reino de justiça, fraternidade e paz, é anunciada e
tornada realidade na vida daqueles que precisavam mais: Os necessitados, os
marginalizados, os pobres.
Quando
se falar em Evangelização, portanto, o Reino de Deus tem que ser levado em
conta!
Para
que entendamos adequadamente o motivo do povo esperar o Reino de Deus e o
motivo da Boa Nova ser o Reino de Deus, é necessário voltarmos ao Antigo
Testamento, às origens do surgimento dos fatos históricos e das expressões
"Messias" e "Reino".
PROFECIAS E ESPERANÇAS SOBRE O MESSIAS E A BOA NOVA
ANO SABÁTICO E ANO JUBILEU: TEMPO DE LIBERTAÇÃO PARA O
OPRIMIDO
Todos nós sabemos da escravidão que houve no
Egito. Sabemos que Deus viu a aflição do Seu povo e desceu para livrá-lo das
mãos dos seus opressores, através de Moisés, para levá-lo para a terra
prometida (Ex 3.7-8). Contudo, com o passar dos tempos, os próprios componentes
do povo de Deus passaram a escravizar aos seus irmãos.
Para
resolver este grave ato contra o próximo, foi instituído o "ano
sabático" (Ex 23.10-12; Ex 21:2-6). Era o ano do perdão, da restituição.
Ao fim de cada sete anos, o credor restituiria o que havia emprestado ao
próximo (Dt 15.1-2), para que não houvesse pobres (Dt 15.4). Ainda por cima,
emprestaria a seu irmão hebreu o quanto bastasse para a sua necessidade (Dt
15.7-8).
O
"ano sabático" instituía ainda que no sétimo ano fosse libertado o
hebreu ou hebreia que havia sido comprado (Dt 15.12), fornecendo-lhe do
rebanho, eira e lagar (Dt 15.14).
Ninguém
deveria oprimir ao jornaleiro pobre e necessitado (Dt 24.14). Os direitos do
estrangeiro, do órfão e da viúva deveriam ser respeitados (Dt 24.17). Todas
estas leis deveriam ser ouvidas pelo povo de sete em sete anos, no ano da
restituição, na Festa dos Tabernáculos, para que todos aprendessem e temessem a
Deus (Dt 31.10-13). O "ano sabático" tinha como princípio que, assim
como Deus havia libertado o povo no Egito, o povo de Deus também deveria
libertar os escravos (Dt 15.15; Dt 24.18). Era uma forma de eliminar a opressão
e escravidão que os senhores faziam com aqueles que haviam se tornado escravos,
devido a alguma dívida (cf. 2Rs 4.1). Era uma forma de eliminar a pobreza em
Israel (Lv 23.22; Dt 14.28-29; Ex 22.24).
O
livro de Levítico amplia esta ideia social, com a finalidade de restituir os
direitos e fazer justiça aos oprimidos. É instituído que de cinquenta em
cinquenta anos se celebre o "ano jubilar", ou seja, no 50° ano seria
proclamada liberdade na terra a todos os seus moradores. Cada um voltaria a ter
a sua casa e terra de volta (Lv 25.10).
O
"ano do jubileu" determinava ainda que não se vendesse a terra eternamente,
pois a terra é de Deus (Lv 25.23). Se alguém ficasse pobre, este não se
tornaria escravo e sim seria tratado como um jornaleiro e peregrino até o
jubileu (Lv 25.39-40).
Este
ideal, porém, jamais foi cumprido plenamente. O povo, então, lançou a sua
esperança para um enviado de Deus, a fim de que ele trouxesse um Reino onde
todos tivessem liberdade e terra para morar e cultivar. Um Reino onde vivessem
em dignidade, justiça, paz.
Como
surgiu a ênfase no Reino de Deus e no Messias? Foi a partir da instituição do
rei em Israel que veio todo o conceito e ênfase no Messias e no Reino de Deus.
O
que significa "Messias"?
A
palavra Messias "corresponde ao vocábulo hebreu “mesiah”, que significa
"ungido", traduzido pelos gregos por Cristo (Christus, em latim).
Etimologicamente as palavras "Messias", "Cristo" e
"ungido" têm exatamente o mesmo sentido: elas se aplicam a um ser
marcado por uma unção."[3]
AS TRÊS CRENÇAS SOBRE A VINDA DO MESSIAS
A realeza messiânica teve origem três séculos
após o êxodo. O povo estava insatisfeito com a organização existente em Israel;
que era baseada no clã: um conjunto de famílias sob a liderança de um chefe
comum. Um conjunto de clãs formava uma tribo. As tribos, porém, não tinham um
chefe comum. Havia apenas os juízes (exemplo: Sansão, Débora, Gideão, etc.),
que eram líderes carismáticos e que surgiam apenas para liderar e comandar o
país em momentos difíceis.
O
povo queria algo mais sólido, mais permanente. Apesar de ser contra, Samuel
cedeu às pressões e Saul foi ungido o primeiro rei. Ele, porém, foi uma
decepção, por isso, foi destituído (1Sm 13.13-14).
Davi,
sim, encarnaria a esperança messiânica perfeitamente. Graças a ele, o império
de Israel começou a estender-se a outros povos (2Sm 8.6-14). Ele transformou
Jerusalém e encarnou os sofrimentos, dores e esperanças dos menos favorecidos.
Como
Davi, porém não era eterno, o profeta Natan profetiza que a sua descendência
permaneceria para sempre, através de um descendente, que estabeleceria o Reino
(2Sm 7.11-12; Is 9.6-7).
Com
o passar dos séculos, vários acontecimentos provocaram a mudança de crença, em
relação ao Messias e ao Reino. Estes acontecimentos foram: a irregular
administração dos sucessores de Davi, a divisão do reino (922 a.C.), a queda de
Samaria (722 a.C.), a queda de Jerusalém (597 a.C.) e o exílio e a queda da
realeza (586-538 a.C.). Assim, quando Israel estava sem algum rei, surgiu a
profecia sobre o Filho do Homem. Ele viria do céu (Dn 7.13), enviado por Deus,
mas assumiria as necessidades e esperanças do povo. O seu Reino jamais teria
fim (Dn 7.14),
Por
volta do ano 586 a.C., o povo de Deus foi levado cativo para a Babilônia (Sl
137). Neste período, o profeta Isaías escreve sobre o Servo. Ele promulgaria o
direito para os gentios (Is 42.1-3); seria o mediador da Aliança com o povo (Is
42.6) e luz para os gentios (Is 42.6). Ele abriria os olhos ao cego (Is 42.7) e
tiraria da prisão o cativo (Is 42.7). Ele restauraria a terra e repartiria as
grandes terras rústicas (Is 49.8). Ele seria também dado como oferta pelo
pecado (Is 53.10), etc.
Esta
é a salvação ampla que o Servo traria ao povo. Uma salvação social e espiritual
(Is 49.6; Is 61.10), Sim, a vinda do Servo transformaria a tristeza em alegria
(Is 61.3); a angústia em louvor (Is 61.3); a vergonha em honra (Is 61.7). Ele
edificaria e restituiria o que havia sido destruído (Is 61.4). Na terra, tudo
se possuiria em dobro (Is 61.7), etc.
João
Batista, quando iniciou a sua pregação, citou Isaías 40.3 (cf. Lc 3.4-6). Jesus
definiu a sua missão citando Isaías 61.1-2 (cf. Lc 4.16-19). Sim, o Messias
instauraria o "ano sabático da graça" e o "ano do jubileu".
Quando
Jesus veio, estas três crenças estavam presentes na vida do povo e de Jesus:
"Jesus, filho de Davi" (Mt 12.23; Mt 21.9); "O Filho do
Homem" (Mt 8.20; Mc 8.38; Lc 17.24) e o "Servo sofredor" (Lc
12.43; Lc 17.10).
Jesus
se identificaria mais com a figura do Servo e com a figura do Filho do Homem. A
figura de Davi, apesar de ser importante, limitava-se muito mais à libertação
nacionalista de Israel, enquanto o Reino que Jesus veio trazer era para a
libertação de todos os povos (cf. Is 49.6).
O NASCIMENTO DO LIBERTADOR DOS OPRIMIDOS
Quando
Jesus estava para vir ao mundo, o povo na Palestina vivia oprimido. Era
oprimido pela lei judaica, pelos senhores, pelos demônios, pelas enfermidades,
pelo pecado e pelos romanos.
Para
termos uma ideia, dos vinte e cinco mil habitantes de Jerusalém, cerca de
quinze mil eram pobres carentes, cinco mil eram mendicantes e apenas dois mil
detinham os frutos da renda e privilégios.
Cerca
de 75% dos rendimentos dos produtos agrícolas eram transferidos às elites na
forma de imposto e taxas.
O
povo vivia sem muito sentido de vida. Uma esperança, porém, estava em seu
coração: a vinda do Messias para inaugurar o Reino: "Como o povo estivesse
na expectativa e todos cogitassem em seus corações se João não seria o
Messias" (Lc 3.15).
Sim,
o povo estava em expectativa, estava esperançoso.
No
nascimento de Jesus, vemos alguns relatos bíblicos que mostram esta fé, esta
esperança do povo oprimido. No evangelho de Mateus está registrado:
"Ela
dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu
povo dos seus pecados.
Tudo
isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo profeta:
eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de
Emanuel, o que traduzido significa: Deus está conosco!" (Mt 1.21-23).
"Jesus
significa literalmente 'Deus salva', 'Deus liberta’. Por isso, o Natal,
nascimento do Salvador, é festa de libertação tanto como a Páscoa da
ressurreição.
A
palavra ‘salva' em hebraico significa 'ter espaço', 'dispor de lugar’, 'estar
em amplitude', ‘desenvolver-se sem impedimento', ‘gozar de liberdade', ou seja,
libertar."[4]
Aliás,
o livro de Mateus vê Jesus semelhante a Moisés. Assim como o Faraó determinou a
matança das crianças (Ex 1.22), assim também Herodes determinou a matança das
crianças (Mt 2.16-18).
Assim
como Moisés foi ao Egito libertar o povo (Ex 4.18-20), assim também Jesus foi e
voltou do Egito para libertar os oprimidos (Mt 2.19-23).
Assim
como Moisés do monte Sinai deu a lei para o povo (Ex 19.20-25), assim também
Jesus deu a nova lei de Deus no monte (Mt 5.1s).
O
Evangelho de Lucas fala do Reino que Jesus veio estabelecer: "Eis que
conceberás e darás à luz um filho, e o chamarás com o nome de Jesus. Ele será
grande, será chamado filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de
Davi, seu pai, ele reinará na casa de Jacó para sempre e o seu reinado não terá
fim." (Lc 1.31-33)
MARIA E ZACARIAS REAFIRMAM A MISSÃO LIBERTADORA DE JESUS
No
cântico de Maria, a mãe de Jesus, está registrada a esperança dos pobres, dos
oprimidos, dos humildes: "Agiu com a força de seu braço, dispensou os
homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes
exaltou. Cumulou de bens e famintos, e despediu os ricos de mãos vazias.
Socorreu Israel, seu servo, lembrando de sua misericórdia" (Lc 1.51-54).
Maria
aqui não fala só de belas coisas como "estrela", "anjo"
etc. Fala de questões fundamentais para a vida do povo: deposição dos que
governam mal; dar alimentação e bens aos famintos e tirar do rico o que ele tem
demais. Seria para isto que Jesus viria, segundo o cântico de Maria. No
nascimento de Jesus, o anjo foi anunciar a Boa Nova aos pastores. Isto não
ocorreu sem motivo. Os pastores representavam a classe dos menos favorecidos:
"Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será dada a todo o povo: nasceu-vos
hoje um Salvador que o Cristo Senhor, na cidade de Davi" (Lc 2.10-11).
A
salvação aqui anunciada não deve ser entendida só no sentido
"espiritual". No cântico de Maria, vimos que a salvação traria uma
libertação ampla. O povo seria salvo social e espiritualmente. Deus não estaria
indiferente ao sofrimento social do povo, como ele não foi no Egito.
Zacarias,
profetizando sobre João Batista, o precursor de Jesus, mostrou o caráter desta
salvação de Jesus, ao dizer: "Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque
visitou e redimiu o seu povo, e suscitou-nos uma força de salvação na casa de
Davi, seu servo, como prometera desde tempos remotos pela boca de seus santos
profetas" (Lc 1.68-70).
A
seguir, Zacarias fala de uma salvação que está relacionada com a libertação do
povo: "Salvação que nos liberta dos nossos inimigos e da mão de todos as
que nos odeiam" (Lc 1.71).
Sim,
o povo necessitava de uma salvação ampla. Deus não poderia ficar indiferente à
situação do seu povo. Assim como Ele ouviu o clamor do povo no Egito e o
libertou, através do Moisés, agora Deus enviava Jesus, o novo Moisés, para
fazer uma libertação mais ampla ainda. A salvação que Jesus veio trazer foi
para o presente e o futuro. Foi social e espiritual.
Veremos
a seguir, Jesus definindo a sua Missão. Veremos a prática de Jesus, através de
uma Evangelização libertadora.
JESUS E A BOA NOVA DO REINO
A
partir das promessas do "ano sabático", do "ano do jubileu"
e do reinado de Davi, Jesus ao vir ao mundo estava concretizando as promessas e
esperanças do povo no Antigo e Novo Testamento, assumindo a figura do Servo e
do Filho do Homem.
O EVANGELHO LIBERTADOR
Jesus definiu a sua missão citando o texto de
Isaías 61, 1-2, que fala do Messias: "O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque de me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a
remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a
liberdade aos oprimidos, e para proclamar o ano de grata do Senhor." (Lc
4.18-19)
Jesus
aqui fala de "pobres", "presos", "cegos",
"liberdade", "oprimidos". Sim, seu Evangelho, sua
Evangelização seria ampla, seria libertadora.
O
texto e a missão de Jesus não podem ser entendidos só no sentido
"espiritual", como se o nosso Deus se preocupasse somente com o
interior do ser humano. O Salmo 146, que está muito de acordo com o texto de
Lucas, mostra um Deus preocupado principalmente com os necessitados: "O
Senhor faz justiça aos oprimidos, e dá pão aos que têm fome. O Senhor liberta
os encarcerados. O Senhor abre os olhos aos cegos, o Senhor levanta os
abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor guarda o peregrino, ampara o órfão e
a viúva" (Sl 146.7-9).
Sim,
estes esperavam a consolação de Israel (Lc 2.25). Esperavam "a vingança do
Senhor (Sl 58.10) e a justiça que sabem poder vir apenas de Deus (Sl 40.10; Sl
109.31; Sl 69.33)."[5]
Esta
justiça, que é a marca principal do Reino de Deus, não significa só uma justa
distribuição, dando a cada um o que lhe pertence, Significa muito mais na
Bíblia. "Significa também compaixão, fidelidade, bondade, ajuda, amor e
todo o necessário para levar o outro à sua devida integridade."[6]
Jesus veio concretizar o "ano sabático" e o "ano do
jubileu" na vida do povo sofrido que esperava em Deus. Isto é tornar
realidade o Reino do Deus. É fazer justiça, que leva o ser humano) a recuperar
a imagem de Deus, vivendo em plenitude.
As
bem-aventuranças devem ser entendidas dentro deste contexto. Sim, Jesus anuncia
que os que têm tome serão fartos (Lc 6.21); os que choram, devido a sua
situação, irão rir depois (Lc 6.20-21; Mt 5.5) e os mansos herdarão a terra que
lhe foi tirada, devido a alguma dívida ou opressão (Mt 5.4). Sim, os que querem
justiça serão fartos (Mt 5.6).
O
"ano do jubileu" prometeu: "Neste anodo jubileu tornareis cada
um à sua possessão." (Lv 25.13). Sim, os mansos possuirão a terra!
Mas
"manso" não significa uma pessoa pacata, quieta. Os mansos que
herdarão a terra são aqueles que foram destituídos dela e que fazem parte do
remanescente fiel de Javé. São os "añaw". O Salmo 37, nos versículos
9, 10, 11, 22, 28, 29 e 34, deixa claro isto, quando diz: "Porque os
malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no Senhor possuirão a
terra... Mais um pouco de tempo e já não existirá o ímpio; procurarás o seu
lugar, e não a acharás. Mas os mansos herdarão a terra e se deleitarão na
abundância de paz... Aqueles a quem o Senhor abençoa possuirão a terra; e serão
exterminados aqueles a quem amaldiçoa. A descendência dos ímpios será
exterminada. Os justos herdarão a terra... Espera no Senhor, segue o seu
caminho, e ele te exaltará para possuíres a terra...”
Este
Salmo coloca o Ímpio em oposição ao "manso". Ímpio é o incrédulo, o
sem fé. "Manso", ao contrário, é aquele que confia no Senhor, aquele
que espera no Senhor.
Por
isso, este Salmo coloca "os que esperam no Senhor", "os
justos", como aqueles que possuirão a terra.
Estas
promessas de Jesus mostram que o Evangelho que Jesus veio trazer é um evangelho
que se preocupa com a situação total do ser humano. Sim, Jesus veio trazer e
tornar realidade o Reino, que "significa para os ouvintes de Jesus a
realização de uma esperança, no final do mundo, da superação de todas as
alienações humanas, da destruição de todo o mal seja físico, seja moral, do
pecado, do ódio, da divisão, da dor e da morte. O Reino de Deus seria a
manifestação da soberania e senhorio de Deus sobre esse mundo sinistro,
dominado por forças satânicas em luta contra as forças do bem."[7]
O REI E O REINO DE DEUS
Jesus
é o Rei deste Reino, desta Boa Nova! Ele é o Messias, o Cristo! A função
principal de um rei é a de assegurar aos súditos o cumprimento da justiça. O
rei é quem deve estabelecer o equilíbrio, deve ser o defensor dos que não podem
defender-se; é o protetor dos pobres, viúvas, órfãos, oprimidos. Ele deve
garantir aos fracos os seus direitos perante os poderosos; deve reprimir o rico
que prejudica os direitos do povo, enfim, deve propor leis que acabem com a
pobreza e a exploração.
O
povo viu em Jesus este Rei: "Bendito o rei que vem em nome do
Senhor." (Lc 19.37-38)
Aos
"fiéis de Javé”, Jesus declara que o Pai agradou em lhes dar o Reino (Lc
12.32).
O
Rei Jesus procurou trazer um Reino onde impere a justiça, a fraternidade, a
igualdade, o amor e a paz. O Reino de Deus traz o estabelecimento da justiça no
mundo, por isso, Jesus diz que os pobres são bem-aventurados (Mt 5.3; Lc 6.20).
Eles esperavam ansiosamente esta Boa Nova que é o começo de novos tempos.
O
Reino de Deus não deve ser entendido como algo futuro somente. E algo que
começa aqui na terra. Jesus, ao criticar aos fariseus, mostrou que o Reino é
algo para o agora, no qual se pode entrar nele, no momento presente: "Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque fechais o Reino dos Céus diante
dos homens; pois vós não entrais, nem deixais entrar os que estão
entrando." (Mt 23.13)
Mateus,
como um bom judeu, evita falar o nome de Deus, daí falar em Reino dos Céus, em
vez de Reino de Deus, como Lucas fala. Os dois, porém, têm o mesmo significado.
O
Reino não deve ser entendido também só no sentido "espiritual" e sim
também material, Jesus deixa claro isto: "Não há quem tenha deixado casa,
irmãos, irmãs, mãe, pai, filhas ou terras por minha causa ou por causa do
evangelho, sem que receba cem vezes mais: agora, neste tempo, casas, irmãos,
mãe, filhos e terras, com perseguições; e no futuro, a vida eterna.” (Mc
10.28-30)
Evangelizar,
portanto, segundo Jesus, é o ato de anunciar e tornar real o Reino de justiça e
paz na vida das pessoas e no mundo. Jesus é o Messias, o Rei que veio instalar
seu Reino aqui na terra. Assim, não se pode falar em evangelização, sem que o
Reino de Deus esteja presente.
COMO É O REI DESTE REINO?
Pelas
palavras e atos de Jesus, podemos perceber que ele se identificou muito com a
figura do Filho do Homem (Lc 19.10) e do Servo (Mt 20.28). Isto significa que,
apesar de ser divino, Jesus fez questão de ser igual a um de nós. Ele, por
exemplo, sentiu a ingratidão dos nove leprosos que não voltaram para agradecer
(Lc 17.11-19); ele ficou triste com a cegueira espiritual dos fariseus (Mc
3.5), mas se alegrou com os apóstolos (Lc 22.35).
Jesus
se preocupou em falar a linguagem simples da vida da gente simples para assim
poder explicar as coisas relacionadas com o Reino de Deus: cachorro e porcos
(Mt 7.6); travesseiro (Mt 8.21); salário e operários (Mt 20.2), etc.
Jesus
se relacionava muito bem com o povo e tinha grande popularidade (Mc 12.12),
embora ele evitasse a popularidade e procurasse fazer seu trabalho sem ser
percebido. Jesus vivia uma vida liberta dos preconceitos e tabus da época:
reunia-se com os amigos para festejar (Lc 15.6); disse que os últimos seriam os
primeiros (Mc 10.31); acolheu guerrilheiros (Mt 10.4), publicanos e mulheres em
seu grupo de discípulos. Ele disse que a impureza vem de dentro do coração e
não de fora da pessoa (Mc 7.19-22). Ele colocou a natureza em superioridade às
realizações humanas (Lc 12.27). Ele acolheu pecadores (Lc 15.2) e deu atenção à
mulher que se envergonhava de sua menstruação (Mc 5.21-34).
Jesus
tinha grande preocupação social. Ele distribuiu alimento à população faminta
(Mt 14.16-21) e se preocupou com a saúde do povo (Mt 14.14).
Jesus
não era alguém de fazer "média" com ninguém. Ele criticou aqueles que
usavam finas roupas (Lc 20.46; cf. Mt 3.4); repreendeu aos discípulos que
queriam impedir alguém de anunciar o Evangelho (Mc 9.38-40). Ele não pegou em
armas, mas se opôs ao governo (Lc 13.32) e líderes judeus (Mt 23.13). Sim,
Jesus rejeitou os "rótulos" que foram arranjados para ele (Mt
22.41-46). Jesus pertencia à classe operária, pois era carpinteiro, como seu
pai (Mt 13.55). Ele conhecia as coisas simples da vida e estava consciente de
suas realidades e necessidades. Ele se alegrou com o nascimento da criança (Jo
16.21); conhecia a vida do campo (Lc 12.16-21); conhecia como se fabricava o
pão (Mt 13.33); conhecia a vida do camponês (Mc 4.3), etc.
Este
é o Jesus, o Rei que veio inaugurar o Reino de Deus!
A COMUNICAÇÃO DA BOA NOVA LIBERTADORA
A PREGAÇÃO DA BOA NOVA
Com
a vinda de Jesus ao mundo, trazendo a Boa Nova do Reino de Deus para o povo
oprimido, era necessário anunciar a sua chegada, para que todos soubessem dos
novos tempos que começavam.
Uma
das formas utilizadas foi a pregação do Evangelho. João Batista foi quem
primeiro anunciou o Reino. Com ele e com Jesus (Mc 1.15), a pregação foi
utilizada com o objetivo de levar à conversão: "Convertei-vos, porque o
Reino dos céus está perto" (Mt 3.2).
O
anúncio da Boa Nova, porém, não estava só relacionado à conversão. Era também
para anunciar aos pobres (Lc 6.20; Mt 11.5), àqueles que esperavam a justiça
vinda de Deus, e que confiavam nas suas promessas, que o Reino já estava
chegando para por fim a todo mal, restabelecendo a justiça, a fraternidade, a
paz.
Jesus
anunciou a Boa Nova (Mt 4.17). Ele saía por todas as cidades e aldeias
anunciando a Boa Nova do Reino (Lc 8.1; 4.43-44). Ele não anunciava a si mesmo
e sim o Reino de Deus.
Esta
missão foi também confiada aos discípulos, pois todos deveriam saber que Deus
vem libertar o Seu povo de tudo que o escravizava. Neste sentido, também
haveria uma conversão: a mudança de um estado opressor para um estado onde
haveria a justiça, fraternidade e paz.
Jesus
constituiu doze apóstolos para que ficassem com Ele, pregassem e expulsassem
demônios (Mc 3.14-15; cf. Mc 16.15). A missão primeira seria: "Proclamai
que o Reino de Deus está próximo" (Mt 10.7).
A
proclamação do Evangelho era necessária para que o povo soubesse que o Reino
estava à disposição de todos aqueles que esperavam pelas promessas de Deus e
que viviam oprimidos de toda sorte. Jesus utilizava a pregação como elemento
fundamental, mas não a enfatizava isolada. A pregação estava integrada de uma
outra parte fundamental do Evangelho - a cura:
"Indo
de aldeia em aldeia, anunciando a Boa Nova e operando curas por toda a
parte" (Lc 9.6).
A
pregação estava integrada igualmente com outra parte da Boa Nova; a educação:
"Partiu dali para ensinar e pregar nas cidades" (Mt 11.1).
Vemos
assim que a Boa Nova era transmitida e concretizada de forma integral. Jesus
usava a pregação também para denunciar os atos contrários ao Reino de Deus. Era
uma denúncia da situação reinante em Israel: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas, porque bloqueais o Reino dos Céus diante dos homens; pois
vós mesmos não entrais, nem deixais entrar os que querem fazê-lo" (Mt
23.13).
Assim,
Jesus utilizou a pregação para a conversão, para anunciar a chegada do Reino e
para denunciar as injustiças em Israel.
O ENSINO DA BOA NOVA
Em
seu ministério Jesus utilizou muito mais o ensino do que a pregação. Vemos isto
através de vários fatos e relatos nos sinóticos: "Aconteceu que, certo
dia, enquanto ensinava o povo no templo, anunciando a Boa Nova..." (Lc
20.1).
No
Sermão da Montanha, Jesus procurou ensinar aos discípulos sobre a realidade do
Reino: "Vendo ele as multidões, subiu ao monte. Ao sentar-se,
aproximando-se dele os seus discípulos. E pôs-se a falar e os, ensinava"
(Mt 5.1-3).
Mas
foi através das parábolas que Jesus ensinou mais sobre a realidade do Reino
(cf. Mc 4.2). A parábola era um meio que Jesus utilizava pare ensinar sobre o
Reino: "Ouvi, portanto, a parábola do semeador. Todo aquele que ouve a
palavra do Reino e não entende..." (Mt 13.18-19).
As
parábolas do grão de mostarda (Mt 13.31); do fermento (Mt 13.33); do tesouro
escondido (Mt 13.44): da rede (Mt 13.47) e outras parábolas falam e ensinam
sobre o Reino de Deus.
A
educação através das parábolas mostra que Jesus estava preocupado e desejoso
que as pessoas refletissem e descobrissem por si próprias a realidade do Reino.
Jesus não dava nada pronto. Jesus dava uma pista e o povo refletia até chegar à
sua conclusão. Assim, o povo guardava mais facilmente os ensinamentos e dava
mais valor àquilo que tinha aprendido. Os apóstolos, que eram pessoas simples,
gente do povo, também participavam da educação popular: "Os apóstolos
reuniram-se a Jesus e contaram-lhe tudo o que tinham feito e ensinado" (Mc
6.30).
O
fato de Jesus utilizar a linguagem e fatos da vida do povo para ensinar; o fato
de Jesus utilizar a própria gente do povo para participar da educação popular,
mostra que Jesus não fazia uma educação elitista intelectual, desvinculada da
realidade do povo.
O
ensino não era algo à parte. Era parte de um todo do Evangelho. No final do
evangelho de Mateus está registrada a preocupação de Jesus com a educação
daqueles que se tornassem cristãos: "...ensinando-os a guardar tudo quanto
vos ordenei" (Mt 28.20).
O
ensino era para aqueles que não conheciam ainda a realidade do Reino e para
aqueles que já haviam crido e precisavam conhecer melhor as implicações de
pertencer ao Reino de Deus.
Jesus
falava das coisas simples da gente simples. Ele falou de sal e fermento (Mt
5.13; 13.33); figo e uva (Mt 7.16); trigo (Mt 13.16; 13.7); casa varrida (Mt
12.44); lamparina (Mt 25.8), etc. Enquanto isto os fariseus chamavam o povo de
maldito por não conhecer a lei (Jo 7.49). O povo se educa através de sua
própria experiência, da sua própria prática do dia-a-dia. As palavras de Jesus
mexiam com as consciências adormecidas pela ideologia dominante. O ensino de
Jesus libertou a consciência oprimida do povo.
A CONCRETIZAÇÃO DA BOA NOVA LIBERTADORA
A LIBERTAÇÃO DO QUE OPRIME O POVO
Jesus
teve a missão de libertar totalmente o ser humano, Ele definiu a sua missão
assim: "Proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação das
vistas, para restituir a liberdade aos oprimidos..." (Lc 4.18).
Um
dos fatores que cooperavam para a opressão do povo era o demônio. Ele
representava o oposto do Reino de Deus. Ele oprimia, escravizava, destruía as
vidas humanas. Antes de Jesus chegar, o reino das trevas, o poder da morte,
dominava, em parte, o mundo. Jesus veio anunciara Boa Nova do Reino, o começo
de uma Era nova, o começo dos novos tempos. Sim, o tempo da vitória do bem, do
amor, da vida. Somente a pregação e o ensino não seriam suficientes para
eliminar os poderes do mal. Era necessário algo concreto, por isso, Jesus
disse: "Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então,
o Reino de Deus já chegou a vós" (Mt 12.28).
O
Reino não era só promessa. Com Jesus, ele se tornou realidade. Um Reino que não
se vê, mas se percebe.
Jesus
deu também esta missão e autoridade aos apóstolos: "E constituiu doze,
para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar, e terem autoridade para
expulsar os demônios" (Mc 3.14-15). Os próprios demônios reconheciam que
era chegado o Messias com o seu Reino. Eles, por isso, temiam grandemente:
"Ah! que queres conosco, Jesus Nazareno? Vieste para arruinar-nos? Sei
quem tu és, o Santo de Deus" (Lc 4.34). Ter poder e autoridade sobre os
demônios significava a supremacia do Reino de Deus sobre o reino das trevas.
Significava a vitória da vida sobre a morte. A expulsão de demônios não deve
ser entendida também como algo à parte e sim dentro do contexto e concretização
da Boa Nova do Evangelho. Jesus deixou isto claro, quando convocou os doze
apóstolos e os enviou para expulsar demônios, curar doenças e proclamar o Reino
de Deus (cf. Lc 9.1-2).
A
expulsão de demônios é sinal concreto da instalação do Reino no mundo. Todos os
tipos de demônios que existem hoje no mundo econômico, político, institucional,
que trazem as mais diferentes opressões e morte, devem ser eliminados pelo
Evangelho que liberta e traz vida. Outra coisa que oprimia o povo era a lei
judaica. Não que a lei fosse ruim em si mesma, mas sim porque ela era mal
interpretada e mal-empregada (cf. Mt 23,2324).
A
lei havia se tornado um fim em si mesma, a ponto dos líderes judeus
considerarem o povo maldito por não saber a lei (cf. Jo 7.49). Isto mostra que
a religião mal-usada ou as leis de um país mal elaboradas podem oprimir ao
povo, em vez de libertá-lo ou ajudá-lo (cf. Lc 11.45 - 46).
Que
fez Jesus diante da lei?
Jesus,
acima de tudo, queria amar o ser humano e libertá-lo. A Boa Nova tinha esse
objetivo. Assim, quando Jesus teve que libertar o ser humano, ele não viu o dia
e nem a hora. Jesus passou por cima das tradições, inclusive, curou em dia de
sábado. Na verdade, "o sábado era para ele uma coisa muito secundária; o
mais importante era o homem"[8].
O amor pelo próximo estava acima da lei. Era, na verdade, o cumprimento da lei.
Portanto, a lei não poderia ser um obstáculo.
As
tradições que prejudicavam a vida plena, não eram importantes para Jesus.
Assim, ele libera a consciência dos discípulos e permite que eles colham
espigas no sábado proibido (Mc 2.23-26). Ele cura os doentes no sábado (Lc 6.
6-10). Jesus passa por cima das "etiquetas" da sociedade da época (Mc
7.1-13); ele valoriza a profissão que era desprezada (Lc 19.1-10) e chega a
dizer que, aqueles que são considerados os mais impuros e pecadores pela
sociedade, entrarão mais facilmente no Reino (Mt 21.31), etc.
Sim,
Jesus é liberto e liberta as pessoas das convenções sociais injustas e dos
preconceitos.
Mas,
e a libertação do império romano?
Jesus
queria uma libertação mais ampla e que atingisse a todos os povos. Além disso,
quem governava mesmo Israel era o Sinédrio, que era "uma espécie de
senado"[9].
O Sinédrio, que tinha sua polícia, podia prender, multar, castigar e expulsar
do país. O Sinédrio era o guardião da lei e da tradição. Assim, quem realmente
governava e oprimia o povo através de suas leis e tradições, era o Sinédrio e
não os romanos, que apenas mantinham um procurador como seu representante em
Israel. Ora, direta e indiretamente, Jesus criticou os componentes do Sinédrio
Os escribas e fariseus (Mt 23.2-29). Jesus passou por cima da lei e das
tradições (Mt 5.21-48), por esta razão, o Sinédrio condenou Jesus (Mt 26.
59-68). Sim, Jesus também se preocupou com aqueles que estavam no poder e
oprimiam ao povo.
Ele
os criticou por colocarem pesados fardos sobre o povo (Lc 11.45-46). Ele os
chamou de hipócritas (Mt 23.13-15). A Herodes, Jesus chamou de raposa (Lc
13.31-33).
Jesus
queria libertar totalmente o povo daquilo que o escravizava. Apesar dele não
ter levantado sua palavra contra o império romano, algo que deve nos levar a
pensar é: por que ele teria chamado um zelote nacionalista que lutava contra a
dominação romana para fazer parte de seu grupo de apóstolos (Lc 6.15)?
A SENSIBILIDADE COM O SOFRIMENTO DO POVO
Jesus
teve uma grande sensibilidade com o sofrimento do povo. A fome e as doenças
eram sinais da manifestação da injustiça e da precariedade do atendimento e da
situação do povo. Jesus por isso curou.
A
cura era também um sinal dos novos tempos, do tempo da chegada do Messias ao
mundo (cf. Is 53.4-6). Se as doenças traziam problemas às pessoas, não as
deixando ter uma vida plena, era necessário que elas fossem extintas: "E
curou todos os que estavam enfermos, a fim de se cumprir a que foi dito pelo
profeta Isaías: levou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças"
(Mt 8.16-17). Jesus mostrou que a Boa Nova do Reino era algo real, que vencia o
poder da morte. Sim, mostrou que devemos, acima de tudo, nos preocupar em
solucionar os problemas que afetam ao povo sofredor e oprimido. Jesus disse
para os discípulos fazerem o mesmo: "Chamou os doze discípulos e deu-lhes
autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda a sorte de males e enfermidades"
(Mt 10.1).
Com
isso, Jesus mostrou à religião e sociedade da época que Deus quer é o bem
integral do ser humano.
A
cura das doenças serve para mostrar que o Evangelho de Jesus teve uma grande
preocupação social. Era uma preocupação com a saúde do povo. Este Evangelho que
se preocupa com a parte material também alimentou multidões famintas (Mc
6.35-44), mostrando que Jesus era sensível às necessidades do povo.
Nas
bem-aventuranças, ele disse: "Bem-aventurados os que agora tendes fome,
porque sereis saciados" (Lc 6.21).
Sim,
"aquele que alimentou os cinco mil [...] estava claramente preocupado com
os problemas de justiça econômica."[10]
Quando
João Batista quis saber se Jesus era o Messias, que traria o Reino, Jesus
respondeu: "Os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são
purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres são
evangelizados" (Mt 11.5).
As
curas fazem parte de um todo do Evangelho e só assim devem ser entendidas:
"Curai enfermos que nela houver e dizei ao povo: o Reino de Deus está
próximo de vós" (Lc 10.9).
Não podemos, pois, falar em evangelização, sem levar em conta os problemas sociais que afligem ao ser humano.
A CONVERSÃO E A BOA NOVA LIBERTADORA
O
original grego "metanóia", usado nos sinóticos, significa: meia
volta, mudança de rumo, abandono do caminho falso e um caminhar decidido no
caminho certo, não significa "arrepender-se" ou fazer
"penitência", como algumas traduções têm colocado. Significa sim, uma
reviravolta interna, que tem consequência na ação do dia-a-dia (cf. Lc 3.8),
isto é, o convertido deve mostrar os frutos de justiça, misericórdia e
humildade diante de Deus.
A
exigência de conversão é legítima e foi proclamada por Jesus: "O tempo
está realizado e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no
Evangelho" (Mc 1.15).
OS DISCÍPULOS NO CAMINHO DA CONVERSÃO
O fato de estarem com Jesus, não significava
que todos Os discípulos já fossem plenamente convertidos. Isto fica claro para
nós, quando vemos que alguns discípulos viviam com preocupações que nada tinham
a ver com os propósitos e valores do Reino de Deus. Certa vez, eles perguntaram
a Jesus: "Quem é o maior no Reino dos Céus?” (Mt 18.1).
Isto
mostra uma preocupação com grandeza, prestígio, poder.
Em
outro texto, os discípulos impediram as crianças de chegarem até Jesus,
mostrando que não entendiam ainda perfeitamente a Boa Nova do Reino de Deus (Lc
18.15), que dá acesso a todas as pessoas. Jesus, por isso, deu uma grande lição
nos discípulos e disse que eles deveriam mudar e se tornar como uma criança,
que é simples, despretensiosa, confiante, para pertencer ao Reino (Lc 18.17) e
ser o maior no Reino (Mt 18.4).
Na
convocação dos discípulos, não há nenhuma exigência aparente de conversão,
embora, ao deixarem ludo para seguir a Jesus, mostram indícios de conversão (Mc
1.16-17). Isto fica mais claro, pelas palavras de Jesus a Pedro: "Quando,
porém, te converteres, confirma teus irmãos” (Lc 22.32).
Certamente,
o Pedro que nega a Jesus, o Tomé que duvida e o Judas que trai, ainda estavam
no caminho da plena conversão. Jesus, contudo, foi duro com aqueles que ainda
não tinham optado pelo Reino e os seus valores: "Se não vos converterdes,
perecereis todos do mesmo modo" (Lc 13.3).
Por
outro lado, nas parábolas da ovelha perdida e da dracma perdida, Jesus disse
que há grande alegria no céu por um pecador que se converte (Lc 15.7; 15.10).
O RESPEITO À CULTURA DO CONVERTIDO
A
cultura são os costumes, tradições, atitudes e modos de agir de um povo. É
através dela que o povo expressa sua maneira de ser, sua maneira de viver, seus
sentimentos. Afinal, a conversão deve tirar o ser humano de sua cultura? Qual
foi a posição de Jesus diante desta questão?
Percebe-se
que Jesus não exigia que o convertido abandonasse os costumes e tradições, a
não ser aqueles costumes e tradições que prejudicassem sua vida cristã. A
preocupação principal de Jesus com o convertido, foi que ele praticasse a
justiça, a misericórdia e andasse humildemente na presença de Deus (Mt 23.23;
Mq 6.8; Mt 5.3; Mt 5.6; Mt 5.7). Em várias ocasiões, com os discípulos, Jesus
deixou claro isto, em relação à prática da justiça: "Com efeito, eu vos
asseguro que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus,
não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5.20).
A
justiça que Jesus exige é muito mais do que dar a cada um a que é seu. "O
homem justo é o que defende a integridade do outro, se sente seu guardião,
mantém para ele uma atitude que o afirma efetiva e afetivamente."[11]
Sobre
a misericórdia, Jesus disse: "Sede misericordiosos, como o vosso Pai é
misericordioso" (Lc 6.36).
Sobre
a humildade, Jesus afirmou: "Aquele, portanto, que se tornar humilde como
esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus” (Mt 18.4).
Assim,
Jesus não estava muito preocupado em mudar a cultura do ser humano e sim que
ele tivesse uma prática que fosse de acordo com a vontade de Deus. Jesus não só
não quis mudar a cultura do povo, bem como, sendo judeu, teve as mesmas
práticas comuns de todo judeu. Uma das práticas era beber o vinho. Ele até
mostrou saber qual era o melhor vinho: "Não há quem, após ter bebido vinho
velho, queira do novo. Pois diz: o velho é que é bom” (Lc 5.39).
Se
Jesus tivesse algo contra a prática do vinho, ele nem citaria o vinho como
exemplo. Sim, Jesus bebia o vinho como algo natural (cf. Jo 2.1-10; Lc 5.30).
Era a mesma coisa que viver em Portugal e beber o vinho de lá ou, no sul do
país, e beber o chimarrão.
Jesus
não acabou com a prática das festas, com os folclores ou com as danças. Pode
parecer estranho para nós esta afirmação, pois tivemos outra formação, mas a
Bíblia relata esta realidade. Certa vez, quando Levi foi chamado para ser
discípulo de Jesus, ele ofereceu uma grande festa em sua casa (Lc 5.29). O
próprio Jesus, nas suas parábolas e histórias, cita o exemplo da festa e da
dança como algo até positivo. Na parábola do filho pródigo, ele disse:
"Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças" (Lc 15.25).
A
dança é uma expressão de alegria!
Jesus,
quando quis comparar a geração da época, a comparou como as crianças que,
sentadas na praça, se desafiavam: "Nós vos tocamos flautas e não
dançastes! Entoamos lamentações e não batestes no peito!" (Mt 11.17).
Logo
a seguir, Jesus deixa claro a sua identificação com a cultura judaica:
"Com
efeito, veio João que não come nem bebe, e dizem: um demônio está nele. Veio o
Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: eis aí um glutão e beberrão..."
(Mt 11.18-19).
Jesus
não queria um convertido isolado do mundo e nem triste. Sua única preocupação
era que o convertido confiasse em Deus e que mostrasse os frutos de justiça e
de misericórdia para com o próximo. O convertido só pode, na verdade, ter estas
práticas no meio de sua própria cultura e não criando uma subcultura para si,
com sua própria linguagem e normas. A vida de Jesus, que conviveu no meio da
cultura em Israel, é um exemplo de encarnação na cultura do país.
A CONVERSÂO FOI EXIGIDA DE TODOS?
Pode
parecer estranho para alguns, mas veremos que a conversão não foi exigida de
todos. Houve um "resto" de Israel que permaneceu fiel a Deus, após o
exílio. Este "resto fiel" se caracterizava por praticar a justiça, a
misericórdia e a humildade (Mq 6.8; Zc 7; Is 58).
Maria
foi escolhida exatamente por pertencer a este "resto fiel" (Lc
1.46-48). Sim, "o resto fiel que espera a consolação de Israel' se encarna
em Zacarias e Isabel, Simeão e Ana, nos pastores de Belém, e de modo especial
em Maria e José."[12]
Destes
não se poderia exigir a conversão, já que viviam de acordo com a vontade de
Deus. "O pobre e o oprimido que buscaram o Senhor conhecem a fortaleza
divina (Sl 9.11; Sl 34.11). A atitude perante Deus é a de se abandonar à Sua
vontade e acolher Seus desígnios (Sl 10.14; Sl 34.9; Sl 37.40) [...] observando
Seus mandamentos é que os pobres são íntegros, retos e justos (Sl 34.16-22; Sl
37.17-8). Por isso, os pobres de Javé "são os amigos de Deus."[13]
Naturalmente,
os "pobres de Javé" não são quaisquer pobres. Não significa que por
uma pessoa ser pobre materialmente ela não precisa de conversão. Não, o “pobre
de Javé" praticava a justiça e humildemente se submetia à vontade de Deus,
embora qualquer pobre materialmente esteja mais apto a se submeter a vontade
divina, devido a sua situação difícil.
O
profeta Sofonias mostra que a humildade é a fonte de justiça e só os humildes
são capazes de confiar na justiça divina (Sf 2.3).
Sim,
"aqueles que esperam, ansiosos e com humildade, a ação libertadora do
Messias seriam chamados “pobres', constituindo também a base para a existência
do “resto fiel do povo de Deus" (Sf 3.12-13).
No
sermão da montanha, Jesus deixa claro que o Reino de Deus já é deste
"resto fiel", que tem por característica a humildade (Mt 5.3); a
justiça (Mt 5.6); a misericórdia (Mt 5.7) e o coração puro (Mt 5.8).
Este
"resto fiel", chamado também de "pequenino rebanho", e
privilegiado de Deus, a ponto da vida eterna estar condicionada ao atendimento
aos pequeninos (cf. Mt 25.45).
A
eles, Jesus disse: "Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do
agrado do vosso Pai dar-vos o Reino (Lc 12.32).
DE OUEM FOI EXIGIDA A CONVERSÃO?
A
conversão foi exigida de todos aqueles que orgulhosamente confiavam em si ou
nas suas riquezas e não em Deus. De todos aqueles que não praticavam a justiça
e a misericórdia. Isto incluía os fariseus e saduceus que confiavam mais na
lei, na sua interpretação e nas suas tradições, esquecendo-se da misericórdia,
justiça e humildade, João Batista, quando viu muitos fariseus e saduceus vindo
para o batismo (cf. Mt 3.7), disse: "Raça de víboras, quem vos ensinou a
fugir da ira que está para vir? Produzi,
então, fruto que prove a vossa conversão..." (Mt 3.7-8).
Jesus
igualmente exigiu que os escribas e fariseus não seguissem só algumas práticas
da lei, mas também praticassem a justiça, a misericórdia e a fidelidade (cf. Mt
23.23).
Àqueles
que confiavam nas suas riquezas, Jesus exigiu que elas fossem deixadas de lado
e aos pobres fossem distribuídas (cf. Mc 10.17-25). Quando Zaqueu se converteu,
ele mostrou que antes não era justo, nem misericordioso, pois disse:
"Senhor, eis que eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei
a alguém, restituo-lhe o quádruplo" (Lc 19.8).
A
atitude de Zaqueu é verdadeiramente de fazer justiça: levar o próximo à
integridade, a começar a ter vida plena. Sim, "Jesus não rejeitou os
ricos, mas, de uma ou outra maneira, os desafiava a seguir os caminhos da
justiça, desafiava-os à conversão."[14]
Na
verdade, aqueles que confiam nas suas riquezas, não terão acesso à vida eterna
(cf. Lc 16.19-31).
Mas
por que se diz que aos pobres é anunciado o Evangelho? Significa que a eles é
dado a notícia da chegada da Boa Nova, que o "resto fiel" tanto
esperava, como afirmou Simeão, que era justo e piedoso: "Agora, soberano
Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque meus
olhos viram a Tua salvação, que preparaste em face de todos os povos, luz para
iluminar as nações, e glória de Teu povo, Israel” (Lc 2.29-32).
Anunciar
ou evangelizar os pobres significa também concretizar na vida do "resto
fiel" a Boa Nova do Reino de Deus (cf. Lc 6.20; Mt 5.3), que eles tanto
aguardavam (Lc 12.32). Sim, eles esperavam a justiça e a misericórdia vindas de
Deus (Lc 1.51-55; 1.67-73). Sim, "anunciar as Boas Novas aos pobres é
começar a fazer a justiça que lhes é devida."[15]
A EVANGELIZAÇÃO NOS DEMAIS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO
A ÊNFASE DO EVANGELHO DE JOÃO SOBRE A BOA NOVA
No
final do primeiro século, cerca de uns sessenta anos depois da ascensão de
Jesus, o apóstolo João escreve o seu evangelho, dando uma interpretação de sua
fé e de como seria o seu Cristo.
João
transporta sua fé para o tempo em que Jesus viveu na Palestina e, numa forma
literária utilizada na época, coloca Jesus muito mais no nível do coração,
enfatizando a salvação interior.
Assim,
para João, Jesus é a Luz (Jo 1.4); o Caminho (Jo 14.6); o Pão Verdadeiro (Jo
6.45); a Videira Verdadeira (Jo 15.1); a Água da Vida (Jo 4.13-15); o Cordeiro
de Deus (Jo 1.29); o Bom Pastor (Jo 10.11), etc. Sem a presença física de Jesus
após uns sessenta anos, João e a Igreja procuram enfatizar o Cristo mais no
nível da emoção, do sentimento, do Espírito, do coração.
João,
assim, mostra um Jesus muito mais voltado para com as questões relacionadas com
o céu do que com este mundo (Jo 18.36-37; Jo 8.23-24). João enfatiza a crença
em Jesus, em vez da adesão ao Reino de Deus (Jo 6.29; Jo 7.38; Jo 9.35; Jo
11.25; Jo 12.44; Jo 17.8, etc.). O evangelho de João é um evangelho diferente
dos sinóticos, que apresentam um Jesus mais terreno e mais preocupado com
questões sociais do presente.
O
evangelho de João é diferente também de outros livros da Bíblia. Enquanto Atos
dos Apóstolos relata o envio do Espírito Santo no dia de Pentecostes, após a
ascensão de Jesus (cf. At. 2.1-13), o evangelho de João relata o envio do
Espírito, sem dizer do Pentecostes e como tendo ocorrido antes da ascensão de
Jesus (cf. Jo 20.19-23).
No
evangelho de João se observou uma dupla tendência: atualizar e interiorizar a
escatologia. A ‘vinda' do Filho do Homem é apresentada sobretudo como a vinda
de Jesus a este mundo pela encarnação, sua elevação na cruz e seu retorno aos
seus pelo Espírito Santo; o ‘juízo' realiza-se desde já no íntimo dos corações;
a vida eterna (que em João equivale ao ‘Reino' dos evangelhos sinóticos) é
possuída desde já. na fé."[16]
Assim,
João em vez de falar e anunciar o Reino, anuncia a vida eterna. A Boa Nova para
ele é Jesus e a vida eterna.
É
evidente que hoje devemos procurar fazer uma fusão dos dois evangelhos (o
apresentado pelos sinóticos e o apresentado por João), sem, contudo, deixar de
saber das diferenças das ênfases. Hoje podemos afirmar e pregar que Jesus
liberta e transforma o coração. Este Jesus, porém, veio para salvar e libertar
o povo de tudo que o oprime.
A ÊNFASE DOS ATOS DOS APÓSTOLOS SOBRE A BOA NOVA
João
Batista, Jesus e os discípulos anunciaram a Boa Nova do Reino de Deus. Com a
crucificação, ressurreição, ascensão e o Pentecostes, houve necessidade de dar
um outro enfoque na Evangelização, por parte da Igreja primitiva.
Apesar
de nos últimos quarenta dias de sua vida terrena, Jesus ter falado sobre o
Reino de Deus (At 1.3) e antes da sua ascensão ter respondido uma pergunta
sobre o Reino (At 1.7), vários fatores cooperaram para que o livro de Atos
registrasse outras ênfases da Igreja primitiva.
Houve
necessidade de dar uma interpretação positiva sobre a crucificação, mostrando
que o sangue de Jesus derramado foi para a nossa salvação (At 20.28) e que
temos acesso à salvação pela fé em Jesus Cristo (At 16.31; At 20.21).
Houve
necessidade de anunciar algo novo para o mundo: a ressurreição de Jesus e a
nossa ressurreição futura (At 1.22; 4.33).
Houve
necessidade de mostrar aos judeus que Jesus era o Cristo (At 2.36; At 18.28), o
Filho do Deus (At 9.19-20) e que ele havia cumprido as profecias do Antigo
Testamento (At 2.22-36; At 26.23).
Houve
necessidade de explicar à Igreja sobre a volta de Jesus (At 1.9-11).
Com
o envio do Espírito Santo, houve necessidade de mostrar a sua realidade (At
2.1-29).
Com
o surgimento da Igreja organizada, houve necessidade de doutriná-la sobre a
prática cristã (At 15.1s).
Por
esses motivos, a ênfase na evangelização passou a ser dada mais sobre o Rei do
que sobre o Reino. Enfatizou-se mais a pregação, pela necessidade de anunciar e
explicar estes fatos novos ao mundo.
Hoje,
o leitor de Atos dos Apóstolos, ao ler o livro, muita pouca ênfase no Reino de
Deus, conforme os sinóticos. Pode até parecer que a preocupação da Igreja hoje
deve ser somente também com estas questões doutrinárias. Vemos, contudo, que a
Igreja primitiva não deixou de vivenciar e falar do Reino de Deus (At 8.12; At
19.8; At 20.25; At 28.23; At 28.31).
Na
Igreja primitiva, não havia necessidade e pobreza entre os irmãos, pois os que
tinham terras ou casas vendiam-nas e traziam o dinheiro para distribuir o valor
com aqueles que precisavam.
A
Bíblia diz: "Não havia entre eles indigentes algum, porquanto os que
possuíam traziam o dinheiro e o colocava
aos pés dos apóstolos; e distribuía- e a cada
um segundo a sua necessidade" (At 4.34).
O
livro de Atos cita o exemplo de Barnabé, que vendeu suas terras para distribuir
o dinheiro com os necessitados da Igreja (At 4.36-37).
Cita
também a sonegação de Ananias e Safira (At 5.1-11.), o que mostra a importância
que a Igreja primitiva dava ao evangelho total.
Era
a Igreja vivenciando o "ano do Jubileu".
A ÊNFASE DE PAULO SOBRE A BOA NOVA
A
mudança de enfoque na Boa Nova ocorreu mais com Paulo. Para ele "o
evangelho está centralizado na cruz; de maneira particularmente clara em Paulo,
que se recusa a saber e anunciar outra coisa (1Co 2.2)."[17]
Chega
até a ser compreensível a posição de Paulo, pois ele teve o encontro com o
ressuscitado no caminho de Damasco, por isso, ele fala mais no Rei do que no
Reino (cf. At 9.17-22). Como Paulo organizava as igrejas, suas preocupações
eram mais com o funcionamento adequado das igrejas.
Outro
detalhe importante, e que deve ter influído na sua mensagem, é que Paulo foi
chamado para evangelizar os gentios (cf. GI 1.16; Rm 1.5; Ef 3.8), que nada
conheciam sobre o "Reino", "messias", "ano
sabático" e "ano do jubileu".
Foi
preciso, então, que Paulo falasse do amor de Deus em outras categorias com os
gentios, que não fossem nas do Antigo Testamento, pois as categorias, a cultura
do Antigo Testamento não fazia parte da cultura gentílica.
Sim,
"a terminologia que usaram os primeiros crentes para evangelizar os judeus
não foi igual a que usaram para falar do evangelho aos gentios. Enquanto a
ênfase sobre Jesus, o Cristo (messias, ungido), poderia significar muito para
um israelita, para um cidadão romano, o título “kyrios” (amo, senhor, dono
absoluto), que só se usava para os deuses e para o César, significaria muito
mais."[18]
Qual
a Boa Nova que Paulo transmitiu para os gentios? Para Paulo a Boa Nova é a
ressurreição de Jesus e a remissão dos nossos pecados, através da fé (At
13.32). O Evangelho é a salvação deste mundo (Rm 1.16; cf. Ef 1.13; 1Co 15.1s;
Cl 1.5) e a reconciliação com Deus (2Co 5.18-21).
Paulo
não fala em Evangelho do Reino de Deus como os evangelhos sinóticos falam.
Paulo fala muito no "seu evangelho" (Rm 2.16; 1Ts 1.5; 2Ts 2.14). Ele
fala do evangelho da salvação (Ef 1.13); evangelho da paz (Ef 6.15); evangelho
da glória de Deus (1Tm 1.1); evangelho de Deus (12m 1.1); evangelho de Cristo
(Rm 15.19; 1Co 9.12), etc.
Em
Paulo, o evangelho significa a ação da pregação, como também o conteúdo da
pregação, contudo ele fala mais em pregação do evangelho (1Co 1.17; 2Co 2.12;
1Co 15.1), pois, para ele, Deus lhe confiou anunciar o evangelho (1Ts 2.2-4).
Paulo
não entendeu tanto o Reino de Deus como algo a ser instalado no mundo. Ele
esperava a volta de Jesus para breve, por isso, procurava mais preparar os
cristãos para a vinda de Jesus (1Co 15.23; 1Ts 4.15; 2Tm 4.8), do que instalar
o Reino de Deus no mundo. Paulo enfatizava o Reino de Deus um pouco diferente
de Jesus.
Para
Jesus, o Reino já havia começado aqui (Mt 12.28), mas Paulo enfatizou o Reino
mais como um acontecimento futuro, que coincide com o juízo final (Gl 5.21; 1Co
6.9s; 1Co 15.50).
Jesus
pregou a Boa Nova do Reino de Deus (Lc 16.16), mas Paulo enfatizou Jesus como
sendo a Boa Nova (1Co 1.23; Rm 10.9). Paulo falou também do Reino (At 20.25),
mas mais como recompensa futura para aqueles que creram em Jesus Cristo (2Ts
1.5; Gl 5:21; 1Ts 2.12).
Apesar
das ênfases diferentes dos sinóticos, Paulo fez colocações que estão de acordo
com a Boa Nova do Reino, segundo a orientação de Jesus: ele disse que Cristo,
sendo rico, fez-se pobre (2Co 8.9), nos dando o exemplo de uma prática de vida.
Paulo diz também que os menos favorecidos deste mundo são preciosos aos olhos
de Deus (1Co 1.26-31), mostrando assim a preferência de Deus pelos pequeninos.
Paulo,
igualmente, enfatizou o amor ao próximo como sendo o alvo maior do cristão (1Co
13.1-13; GI 5.14). O próprio Paulo tudo deixou para servir a Cristo (Fl
3.5-11). Além disso, ele disse — como os evangelhos sinóticos, que o Reino é
justiça, paz e alegria (Rm 14.17).
Apesar
das muitas coisas positivas de Paulo, a Evangelização não pode ser resumida no
que ele enfatizou. Os evangelhos e outros livros da Bíblia nos ajudam a
compreender a totalidade da evangelização.
ÊNFASE DO APOCALIPSE SOBRE A BOA NOVA
No
livro do Apocalipse, a ideia do Reino de Deus ser instalado aqui na terra e
constituir também de coisas materiais, é enfatizada no sentido pleno no
"fechar" da Bíblia. Os cristãos estavam sendo mortos pelo reino da
besta (o imperador romano) e necessitavam de uma esperança de que tudo isso
seria superado e Cristo triunfaria com o seu Reino aqui na terra. João, então,
procurou mostrar que os cristãos reinariam aqui na terra (Ap 5.9-10; Ap 20.4) e
que o dragão seria derrotado (Ap 20.1-3). O novo céu e a nova terra desceriam
do céu (Ap 21.1-2; Ap 21.10) para se instalar aqui na terra.
A
situação de opressão, sofrimento, perseguição e morte dos cristãos primitivos,
na década de noventa, levou os cristãos a recuperarem a ideia pregada por Jesus
da instalação do Reino aqui na terra. É um Reino que resolverá o problema das
praças da cidade (Ap 21.21); resolverá o problema da precária e cara luz (Ap
21.23); resolverá o problema dos rios e das secas (Ap 22.1); resolverá o
problema da fome e da saúde (Ap 22.2).
Sim,
a dor e o sofrimento deixarão de existir (Ap 21.4); o Reino de Deus
transformará tudo o que é precário em coisas novas e perfeitas (Ap 21.5); o
império que domina o mundo será destruído (Ap 18.2-3; 18.21) e o Rei dos reis,
o Senhor dos senhores reinará (Ap 19.11-16).
O
povo oprimido e humilde, enfim, terá a autoridade de decidir, pois se sentará
no trono dos que governam (Ap 20.4; cf. Lc 1.52). Sim, "conforme suas
promessas, aqueles que tiverem sofrido com ele participarão do Reino e do
julgamento (Dn 12.1-3; Lc 22.28-30: 2Tm 2.11-12; Ap 7; 14.1-5; 20.1-6)".[19]
A
salvação que o Apocalipse é tanto espiritual, como social. Esta é a Boa Nova
que Jesus Cristo revelou a João e ao povo que vivia oprimido (Ap 1.1).
A EVANGELIZAÇÃO NO CONTEXTO DE SOFRIMENTO E OPRESSÃO
SONHO DE MELHORES DIAS DE UMA FAMILIA DE BOIAS-FRIAS
Os
boias-frias são aqueles que saem cedo de casa para o trabalho nas plantações.
Eles levam suas alimentações nas marmitas, que são preparadas de madrugada ou
na noite anterior. Como nos lugares onde trabalham, o patrão não cria condições
para eles esquentarem a alimentação, eles comem a alimentação fria, daí vem o
nome de “boia-fria”.
Além
desta alimentação prejudicar seriamente a sua saúde, o caminhão que os leva
para o trabalho, geralmente, é inseguro. Muitos são conduzidos como gado em
caminhão. Às vezes, com 80 pessoas. Vários acidentes fatais têm ocorrido com o
caminhão que leva os boias-frias. Ainda por cima, geralmente, os direitos deles
não são respeitados. Muitos vivem em regime de semiescravidão. Recentemente,
vimos a revolta dos boias-frias em Guariba, Monte Alto e Bebedouro. Houve
violência de mais de seis mil boias-frias, em Guariba. Como resultado, porém,
houve vitória para os boias-frias.
A
história a seguir é uma das muitas que acontecem com estes trabalhadores. Ela,
porém, nos traz muitas lições.
Francisco
e Madalena e seus seis filhos eram camponeses, como quase todos os vizinhos.
Eles plantavam e colhiam cana-de-açúcar. Todo dia, antes do sol nascer, eles
iam para as plantações. Só quando o sol se punha é que voltavam para sua
humilde casa. Na verdade, eles só tinham os seus filhos e o trabalho. Três
filhos já haviam morrido de doenças. Eles moravam e plantavam o que não era
deles. Tudo pertencia ao patrão, que era muito rico.
Francisco
e Madalena já não aguentavam a situação. O dinheiro que ganhavam praticamente
eles não viam. O patrão dava vales para os empregados. Só nos armazéns do
patrão é que se podia fazer compras.
Os
seis filhos de Francisco e Madalena não podiam estudar, pois cedo já tinham que
trabalhar, como todos os filhos dos trabalhadores locais. O sonho de Rute — a
filha menor do casal, de ser enfermeira para cuidar dos doentes, era só sonho
mesmo. Reclamar dessa situação não adiantava. O patrão era muito poderoso e com
o seu dinheiro resolvia muitas questões.
Francisco
e Madalena iam à Igreja todo domingo com os filhos. Lá o padre ensinava sobre a
Nova Jerusalém. O sofrimento que os fiéis passavam aqui seria recompensado na
eternidade, dizia o padre. "Até Jesus sofreu...", dizia ele.
Francisco
e Madalena, porém, sonhavam com uma vida melhor já aqui. Eles não podiam
aceitar que fosse a vontade de Deus que eles sofressem. Eles pensavam mais nos
filhos, no sonho de Rute, nos três filhos que morreram... Sim, eles não queriam
que os outros filhos tivessem o mesmo destino. Francisco e Madalena queriam
vê-los decidindo pelo seu destino, queria vê-los estudando e com saúde.
A
história de Francisco e Madalena é a história de milhões de trabalhadores, de
seres humanos, que não têm a chance de ter uma vida justa, uma vida em
abundância. Milhares de crianças morrem antes de completar um ano de vida.
Milhões não têm a oportunidade de estudar.
A EVANGELIZAÇÃO QUE FRANCISCO, MADALENA E OS FILHOS
NECESSITAM
A
evangelização que Jesus trouxe tem sentido ser enfatizada hoje?
A
situação da família de Francisco e Madalena e seus filhos já seria suficiente
para enfatizarmos a Boa Nova de Jesus. A Boa Nova libertadora é legítima e o
povo da América Latina espera ansiosamente pela sua salvação e libertação. O
povo tem sido escravo de sistemas políticos e econômicos, que só favorecem aos
ricos proprietários e às empresas multinacionais; é escravo de ditaduras que
não permitem a participação ampla do povo nas decisões do país; o povo não tem
a liberdade necessária; muitos morrem de fome; tantos são presos injustamente,
sofrendo os horrores da tortura e ainda "desaparecem"; não há escola
para todos e, quando há, é cara ou os filhos não podem estudar por que têm de
trabalhar para ajudar na sobrevivência da família. Milhões sofrem o problema do
desemprego ou têm um salário de fome; não têm terra e casa próprias; são
escravos de vícios e superstições que destroem suas vidas, etc.
A
evangelização que este povo precisa não é só a Boa nova capaz de salvar a sua
"alma", mas que o leva ao conformismo com o mundo atual ou com os
“patrões” desumanos e opressores dessa vida. A salvação deve recuperar neles a
imagem e semelhança de Deus, distorcida por toda sorte de pecado na sociedade.
É isto que é fazer justiça!
Os
"franciscos e madalenas" dessa vida não precisam só de uma Igreja
para frequentar, seguindo normas e procurando dar "bom-testemunho"
para ganhar o céu. Eles precisam da Boa Nova que traz libertação, justiça,
dignidade e os capacite para a participação na sociedade, despertando a
consciência para se tornarem agentes de sua própria história. "A salvação
total se expressa na paz (shalon), que inclui segurança, saúde, bem-estar,
comunidade, justiça, integridade, enfim, a harmonia do homem com Deus, com os
outros homens e mulheres, com a natureza, com todo o universo todo."[20]
Corno
a Igreja poderá realizar esta Evangelização? Há muitos caminhos! Cada
comunidade deverá encontrar a melhor forma para agir onde está inserida. Um dos
caminhos a seguir é através da criação de centros comunitários, onde a
educação, assistência jurídica, assistência e orientação médicas, capacitação
profissional, além da fé em Jesus como Senhor e Salvador, poderá trazer aos
"franciscos e madalenas" uma salvação integral, ampla.
A
Igreja deve anunciar que chegou para ficar ao lado dos oprimidos. Ela deve
organizar os trabalhadores em sindicatos, orientando-os quanto aos seus
direitos e lutando por eles. Naturalmente, a Igreja não deverá ser
paternalista, dando tudo para os trabalhadores, mas sim criar consciência nos
trabalhadores de seus direitos e da importância de estarem organizados. A
Igreja, se necessário, deverá ceder suas instalações para reuniões de
sindicatos e da Associação de Moradores até que os trabalhadores tenham a sua
própria sede para reuniões. Levar Francisco e Madalena, juntamente com seus
filhos, somente a frequentar a Igreja, dando-lhes alguma assistência social,
não será uma Evangelização essencialmente evangélica. Prometer somente o Céu é
ser indiferente aos seus problemas sociais!
A
Igreja, naturalmente, não deverá somente se preocupar em resolver seus
problemas sociais. Cristo deve habitar em cada coração, dando conforto, amor,
alegria, certeza que Deus está presente. Para que haja uma verdadeira
evangelização é necessário haver uma transformação interior, no coração, e uma
transformação social.
A EVANGELIZAÇÃO QUE O PATRÃO DE FRANCISCO E MADALENA DEVE
RECEBER
Naturalmente,
nem todo patrão é desumano, egoísta e opressor. Isto, porém, é aplicado ao
patrão de Francisco e Madalena. Ele é uma pessoa que só pensa em si mesmo, no
seu bem-estar, nos seus “direitos”. Ele só quer que o resultado da colheita
seja bom e dê lucro. Ele pouco está ligando para a sorte dos trabalhadores.
Que
evangelho a Igreja deve anunciar a este patrão? Um evangelho que o leve a
frequentar dominicalmente a Igreja, que o leve a ser dizimista e mais camarada com
os trabalhadores?
Não
somente isto! Isso é muito pouco!
A
Igreja deve dizer ao patrão de Francisco e Madalena, e de todos os
"boias-frias", que o Senhor da criação deseja a liberdade e a vida
plena de todo ser humano. Deus quer que a justiça, a fraternidade, a paz e o
amor habitem em cada coração. Que haja trabalho digno, casa e terra para todos
os trabalhadores. A Igreja deve lhe dizer e ensinar que Jesus Cristo quer que
todo ser humano o siga e o aceite como Senhor e Salvador, tornando-se um dos
seus discípulos.
A
sua conversão deverá incluir a justiça aos lavradores, dando-lhes condições
dignas de vivência humana.
Se o patrão proceder como Zaqueu, a sua
conversão terá sido autêntica e a Igreja terá realizado uma evangelização igual
a da Igreja primitiva.
Na
Igreja primitiva, após a conversão (At 2.37-41), todos procuravam viver em
igualdade. Aqueles que tinham bens materiais distribuíam para os necessitados:
"Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos,
à medida que alguém tinha necessidade." (At 2.45)
Contudo,
se o patrão proceder como o jovem rico, que não aceitou as exigências de Jesus
(Mc 10.17-25), a Igreja, então, deverá apontar o juízo de Deus a este patrão.
A
Igreja deverá ficar ao lado dos trabalhadores oprimidos, organizando-os e
orientando-os quanto aos seus direitos.
A
Igreja deverá abrir as portas para as reuniões do sindicato, deverá denunciar
as injustiças e opressão sobre os trabalhadores.
É
assim que a Igreja deverá anunciar e concretizar a Boa Nova do Reino de Deus,
neste contexto de sofrimento e opressão.
A EVANGELIZAÇÃO NA FAVELA
A
experiência e o trabalho evangelístico na favela da Rocinha, que mostraremos a
seguir, vem apenas confirmar a necessidade de enfatizarmos uma evangelização
ampla, a salvação total.
O
casal de missionários americanos (James Ed Tims e Nancy Tims, que trabalham na
Igreja Metodista da Rocinha, onde há um Centro Comunitário, que mantém uma
creche) escreveu uma carta aos seus superiores nos Estados Unidos. A carta é um
relato sobre as atividades da Igreja e do sofrimento que o povo passa. É uma
resposta a todos aqueles que esperavam deles uma Evangelização mais no sentido
de salvar "almas".
Diz
o relato:"...nossos membros se compõe totalmente de pessoas que residem na
Rocinha, que é a maior favela do Rio de Janeiro (com uma população estimada em 200
mil pessoas). Com poucas exceções, materialmente são muito pobres. Quando os
membros da Igreja iniciaram o programa de visitas, cada dia subiam mais e mais
a ladeira do morro onde está localizada a imensa favela. À medida que avançavam
para o interior da Rocinha encontraram uma pobreza tão desesperada que ficaram
angustiados a tal ponto que tiveram que fazer algo devido a este problema.
Carlos, o evangelista local de nossa Igreja disse a Ed depois: "Pastor,
entram o sem uma escura casa de madeira sem ventilação. A porta oferecia a
única abertura. Dez polegadas de água contaminada cobriam o piso de cimento. A
mãe dava de mamar a um nenê. Havia outros dois meninos pequenos. Estavam
tossindo. O esposo havia perdido seu trabalho e deviam dois meses de aluguel.
Não tinham alimentos. Como se pode falar de um Deus amoroso e numa situação
como esta?”
Continua
o relato: “Nossos membros discutiram este caso e outros similares a este e
decidiram que cada um traria uma oferta do que pudessem repartir ao final de
cada semana. Isto foi feito para aliviar os necessitados e atender às
necessidades mais urgentes que haviam encontrado. ‘Deviam ter visto com que
fome esses meninos comeram as bolachas que lhes demos’, Carlos comentou.
Contudo, nunca deixamos alimentos numa casa sem também deixar a mensagem cristã
de esperança e amor. "
Mais
adiante, a carta continua: "Em resposta à ordenança de Deus, o trabalho da
Igreja Metodista nesta grande nação do Brasil se tem feito crescentemente
profético em sua proclamação contra as injustiças sociais e a exploração dos
pobres. Quisera poder dizer-lhes que a Igreja Metodista na Rocinha foi
instrumento de Deus para que ajudar o povo conseguir que a casa pequena e mal
construída, cheia de água, fora derrubada e reconstruída em mutirão por um novo
grupo em lugar acessível aos trabalhadores. Ou que a Igreja serviu como
instrumento para conseguir que as leis existentes fossem aplicadas com justiça
para que as pessoas pudessem receber um salário justo(tantas mães cujos filhos
estão em nossa creche trabalham para famílias ricas recebendo um mísero salário!).
Ou que a Igreja é uma voz ativa que busca mudar sistemas econômicos corrompidos
que favorecem aos ricos dando-lhes mais e relegando a segundo ou terceiro plano
os pobres..."
Eles
terminam o relato deste modo: "Por favor, leiam Lucas 4.18 e orem para que
o Senhor possa outorgar à nossa Igreja Metodista a força e a visão para
proclamar o ano aceitável do Senhor na Rocinha...".
A
Evangelização realizada na Rocinha é exatamente a evangelização que Jesus
enfatizou. Uma Evangelização que pretende salvar integralmente o ser humano,
restabelecendo-o à imagem e semelhança de Deus.
São
lições importantíssimas que devemos aprender com os nossos irmãos na Rocinha.
A EVANGELIZAÇÃO QUE DEVEMOS PRÁTICAR À LUZ DO ENSINAMENTO
DE JESUS E NO CONTEXTO DA AMERICA LATINA
Quase
a totalidade das Igrejas hoje tem entendido a evangelização simplesmente como
anunciar Jesus às pessoas. A pregação falada e escrita fica sendo a única forma
de transmitir o Evangelho. Porém "a mensagem da Igreja primitiva não se
comunicou unicamente de forma verbal."[21]
Como
já vimos, Jesus evangelizava, tornando realidade o Reino de Deus na vida das
pessoas e no mundo, através da pregação, educação e libertação política e
social. A preocupação de Jesus não era só com a vida eterna. Ele vem trazer o
"ano da graça do Senhor" (Lc 4.19), isto é, a instalação do ano
jubileu, quando os necessitados, doentes, pobres e oprimidos passam a ter
acesso às promessas do Antigo Testamento, através do engajamento no Reino de
Deus. Vimos até que a pregação não foi o elemento mais importante na vida e
ministério de Jesus. Ele ensinou e curou mais do que pregou. Ele se preocupou
mais com a prática do que com a teoria.
A
evangelização realizada hoje na maioria das Igrejas está longe do verdadeiro
propósito dos evangelhos sinóticos.
“A
novidade da Boa Nova não está, como se tem pretendido, em alguns de seus
conceitos: Deus o Pai, Deus Amor, perdão, universalidade da salvação, etc.,
pois nada disto falta no Antigo Testamento. Ela também não consiste na ênfase
destes elementos (diz-se, por exemplo, que o Antigo Testamento insiste na
santidade de Deus, enquanto o Novo Testamento insiste no Seu amor); ela reside
muito mais no fato do cumprimento; aquilo que é prometido no Antigo Testamento,
o alvo visado pela história que lá se desenrola, o desígnio de Deus, agora é
cumprido e alcançado"[22].
A
Boa Nova que Jesus veio trazer foi o Reino do pleno amor, plena justiça, plena
paz, plena liberdade. Jesus veio trazer vida em abundância!
Jesus
criticou os fariseus, em seu tempo, porque eles se preocupavam com pequenas
coisas e se esqueciam de praticar a justiça, a misericórdia e a fidelidade (Mt
23.23). Hoje, a Igreja está sujeita às mesmas críticas de Jesus, pois ela tem
colocado a Evangelização como tendo o único objetivo de oferecer a vida eterna.
Alguém
de uma Igreja tradicional chegou a escrever em seu jornal que "devido a
necessidade urgente de evangelizar, a Igreja não pode perder tempo com justiça
social." Isto é não compreender que a Boa Nova de Jesus é uma salvação
ampla para aqueles que vivem oprimidos de toda sorte, como os "franciscos
e madalenas", que não têm direito a lazer, saúde, terra, casa, estudo e
liberdade.
A VERDADEIRA BOA NOVA
"A
Igreja tem sido enviada para sarar os doentes, consolar os quebrantados de
coração e libertar os oprimidos pelo demônio em todas as suas manifestações,
pessoais e institucionais. As implicações desta missão e desta mensagem não se
limitam apenas ao espiritual."[23]
Jesus
trouxe e praticou uma evangelização que sarou as enfermidades (Mt 8.16-17);
transformou o luto em alegria (Lc 7.1 1-17); perdoou os pecados (Mc 2.5);
expulsou os demônios (Mt 12.28); libertou as pessoas daquilo que as oprimia (Lc
4.18); colocou os humildes no seu verdadeiro lugar (Mt 18.4); procurou
restituir a terra aos seus verdadeiros donos (Mt 5.4) e procurou fazer justiça
aos que são justos (Mt 5.6); ele saciou a fome (Lc 6.21), etc.
Esta
é a Evangelização bíblica que Jesus praticou e ordenou que seus discípulos a
praticassem.
COISAS QUE COMPLICAM O ENTENDIMENTO DA BOA NOVA DE
LIBERTAÇÃO
A
Igreja, pensando em facilitar o seu trabalho, tem dividido a missão em partes
compartimentadas: evangelização, ação social e educação. Assim, fica-se
entendendo que a evangelização é pregar e distribuir folhetos. A ação social e
a educação, então, não se entende como parte da Evangelização. É algo à parte.
Ora, nós vimos que com Jesus não foi assim.
A
evangelização era algo amplo: "Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando
em suas sinagogas, pregando o evangelho do Reino e curando toda e qualquer
doença ou enfermidade do povo" (Mt 4.23; cf. Mt 9.35).
O
texto acima mostra a integração da ação e prática do Evangelho: educação,
pregação e ação social. Isto é Evangelização!
Com
os seus discípulos, Jesus deu a mesma ordem: "Convocando os doze, deu-lhes
autoridade sobre todos os demônios, bem como para curar doenças, e enviou-os a
proclamar o Reino de Deus e a curar" (Lc 9.1-2).
Como
afirma o Conselho Mundial de Igrejas (CMI): "É necessário eliminar esta
separação entre evangelização ação social. O evangelho espiritual e o evangelho
material eram um só Evangelho em Jesus."[24]
A
divisão da missão da Igreja traz também outras dificuldades: leva a Igreja a
fazer, muitas vezes, ação social desvinculada da evangelização. Isto é,
ajuda-se pessoas, através de roupas, alimentos, remédios, dinheiro, etc., sem
que estas pessoas tenham conhecimento ou participem plenamente do Reino de
Deus. O simples assistencialismo fica sendo a missão da Igreja. Não se pensa em
salvar integralmente a pessoa. Isto não é fazer proselitismo. É anunciar e
concretizar o Reino na vida das pessoas, como Jesus fez.
Na
educação acontece a mesma coisa. Jesus ensinava o Reino de Deus. Ele usava a
educação como meio de tornar conhecido, aceito e concretizado os valores do
Reino. A Igreja de nossos tempos quer participar da educação do povo. É uma
forma de ajudar as pessoas a terem conhecimento, formá-las e educá-las para a
participação na sociedade. Acontece que há sistemas educacionais que cooperam
muito mais para que a pessoa adquira valores e práticas, como o individualismo,
competição, egoísmo, interesse só pelo lucro, etc., que não são os valores e
práticas recomendados e enfatizados pelo Evangelho. A Igreja assim acaba
reforçando os valores do reino das trevas.
A
Igreja não pode separar ação social e educação da evangelização. A
Evangelização deve ser a missão única da Igreja, que deve chegar na vida das
pessoas e no mundo através da pregação, educação, ação social, libertação
política e restituição dos direitos e dignidade do povo oprimido. Esta foi a
Evangelização de Jesus e esta deve ser a evangelização da Igreja hoje. À luz do
ensinamento de Jesus e no contexto da América Latina, a seguir, damos algumas
diretrizes de como deve ser a evangelização da Igreja hoje:
UMA EVANGELIZAÇÃO QUE ESTEJA CENTRALIZADA NO REINO DE DEUS
O
que significa isto?
Significa
que a evangelização que enfatizamos não poderá ser buscada somente na doutrina
da Igreja, ou seja, não podemos enfatizar a missão como sendo pregar doutrinas
tipo "nosso batismo é o início correto, por isso, você tem que vir para a
nossa Igreja".
Isto
não significa negligenciar as doutrinas, nem deixar de crer que elas sejam as
mais corretas, mas evangelizar não é pregar doutrinas, embora isto possa estar
incluído dentro do Evangelho.
Hoje
o que costumamos ver é uma disputa, entre as Igrejas, para mostrar que esta ou
aquela doutrina é a mais correta.
A
Evangelização também não pode ser resumida no “crer” e pronto. O “crer” em
Jesus é parte também do Evangelho, Jesus faz parte da Boa Nova. Ele transforma
a nosso coração e nos dá a vida eterna. Pode parecer estranho, mas se quisermos
seguir os ensinamentos do próprio Jesus, não podemos reduzir a evangelização
simplesmente no “crer” em Jesus.
A
evangelização centralizada no Reino de Deus não significa também pregar apenas
a salvação futura para viver eterna e confortavelmente na Jerusalém celestial.
Isto é parte da Evangelização, mas não é o básico, não é o mais importante.
O
que, então, é uma evangelização centralizada no Reino de Deus?
Segundo
as promessas e profecias do Antigo Testamento e segundo os ensinamentos a
práticas de Jesus nos evangelhos sinóticos, uma evangelização centralizada no
Reino de Deus é salvar o ser humano totalmente: uma salvação física, social e
espiritual. E ter em mente que este mundo precisa ser transformado totalmente
para que todos tenham os mesmos direitos e deveres e recuperem a imagem de Deus
que foi distorcida por todo pecado individual e coletivo .da sociedade.
A
evangelização centralizada no Reino de Deus deve ser sensível ao desemprego, à
fome, à miséria, à opressão que as pessoas sofrem. A Igreja tem que lutar para
que tenhamos um mundo de igualdade, dignidade e vida em abundância. Agindo
assim, a mensagem e prática da Igreja será uma Boa Nova e será bem recebida.
A
evangelização centralizada no Reino de Deus, à semelhança do Antigo Testamento
e das palavras e atitudes de Jesus, tem que se preocupar com o problema da
terra, da injustiça. A Igreja tem que lutar para que os pobres, os lavradores,
os camponeses tenham a sua própria terra para morar e cultivar. Como disse
Jesus: "possuirão a terra" (Mt 5.5). A Igreja tem que lutar pela
justiça. Como disse Jesus: "Os que tem fome e sede de justiça serão
fartos" (Mt 5.6). Lutar pela justiça é lutar para que o Reino de Deus se
estabeleça definitivamente na terra, eliminando os poderes da morte. Não pode
haver Reino de Deus onde haja pecado, fome, miséria, opressão política.
É
assim que temos uma evangelização centralizada no Reino de Deus!
UMA EVANGELIZAÇÃO QUE ANUNCIE, ENSINE E LIBERTE O SER
HUMANO
Para que o Reino de Deus se estabeleça
definitivamente a Igreja não pode utilizar só a pregação, o anúncio do
Evangelho. Evangelho não e só pregar! A pregação é importante porque mostra ao
povo, ao pecador, àqueles que vivem em situação sub-humana, que Deus ama ao
mundo, ao ser humano e quer lhe dar vida em abundância, através da aceitação do
reinado de Jesus na vida da pessoa e no mundo. A Igreja fará isto
adequadamente, através da capacitação do Espírito (cf. At 1.8).
O
reinado de Jesus na vida das pessoas e no mundo significa a chegada e a
permanência entre nós do Reino de paz, amor, justiça e fraternidade. Para que
este Reino, que não é só espiritual, se torne realidade, é necessário também
ensinar e libertar as pessoas de tudo que as escraviza.
Jesus
ensinava a realidade do Reino de Deus às pessoas, principalmente, através das
parábolas. O educar é também parte da evangelização. A educação conscientiza as
pessoas a viverem segundo os propósitos do Reino do Deus. A Igreja deve lançar
mão sempre da educação, para que a novidade e os valores do Reino de Deus sejam
conhecidos e praticados.
O
Reino de Deus, porém, não se instalará definitivamente somente com a pregação e
a educação. Estas têm sido as armas que a Igreja tem utilizado. Ela, porém,
deve utilizar a arma da libertação que Jesus usou (cf. Lc 4.16-19). Sim, a
Igreja precisa libertar também as pessoas daquilo que as escraviza.
O
que tem escravizado às pessoas?
Os
vícios, fome, doença, opressão, leis injustas, falta ou má qualidade de vida,
desemprego, pecado, demônios, etc. A Igreja não deve atuar tanto no sentido de
apresentar planos e sim de dizer que é injusto o sistema econômico que aumenta
a riqueza e faz com que poucos retenham grande quantidade de terras, riquezas e
lucros, enquanto a maioria está "vegetando", por não viver
plenamente. Aliás, a justiça que a Bíblia prega é além da justiça comum, que se
fundamenta no direito romano, que procura dar a cada um o que é seu, o que lhe
pertence. A justiça que a Bíblia enfatiza vai além: "busca a integridade
da criatura, sua paz e sua plenitude."[25] Por
isso, Jesus disse: "Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas
e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus" (Mt 5.20).
A
Igreja deve também dar o exemplo e deve viver em seu meio como uma comunidade
onde todos vivam em igualdade (cf. At 2.42-47).
A
Igreja deve denunciar a falta de liberdade para escolher os governantes, a
falta de liberdade para se organizar, expressar seu pensamento, etc. Ela deve
fazer isto sem, contudo, concordar com a libertinagem, que é uma outra forma
também de oprimir aos que querem seus direitos garantidos. Só atuando
globalmente a Igreja cooperará para que o Reino de Deus se instale
definitivamente na terra.
UMA EVANGELIZAÇÃO QUE LEVE EM CONTA A CULTURA DO CONVERTIDO
A
pessoa ao aceitar a Cristo pela fé, como seu Senhor e Salvador, não precisa,
necessariamente deixar a cultura do país ou o lugar onde vive. Durante longos
anos, a Igreja ensinou e pregou a necessidade de retirar a pessoa do
"mundo" e salvá-la, colocando-a “dentro” da Igreja. A Igreja se
entendia como o "refúgio" do mundo. A verdadeira conversão era
conhecida como abandono de tudo que se praticava anteriormente. Pecado era
frequentar cinema, praticar esportes, usar as vestimentas do "mundo",
beber vinho, participar de festas folclóricas, etc.
A
conversão que Jesus enfatizou foi, acima de tudo, uma exigência de uma prática
e de "frutos" que mostrassem justiça e misericórdia em relação ao
próximo e amor e submissão a Deus. Jesus não exigia que o convertido deixasse
seu modo de ser, desde que, naturalmente, não prejudicasse a prática dos
valores do Reino de Deus.
Falando
sobre a prática da Igreja Metodista em Angola, o Bispo Emílio Carvalho contou
que, indo visitar uma determinada região acompanhado de um Superintendente
Distrital (SD), os cristãos do lugar, ao recebê-los, começaram a dançar. O SD
logo os repreendeu, mas o Bispo solicitou que o povo continuasse a dançar. É
que o africano não sabe demonstrar a sua alegria, sem dançar. O Bispo Emílio
afirma que "para ser cristão, o africano não precisa rejeitar (todos) os
seus costumes e tradições".[26]
A
Igreja hoje, na América Latina, também não precisa levar o convertido a
rejeitar toda a sua cultura. O convertido deve, sim, demonstrar sinais de uma
nova vida, ou seja, uma vida de humildade, justiça e misericórdia para com o
próximo.
A
Igreja deve levar em conta a cultura do convertido. Ele deve expressar o louvor
a Deus através do ritmo e modo de ser de seu país. Ele deve participar das
Associações de Moradores, organizações sindicais, partidos políticos, grupos
culturais, etc. É neste meio que ele deverá dar testemunho do Evangelho. O
próprio evangelho lhe dará discernimento das coisas que deverá praticar e
evitar.
O
que a Igreja fez durante longos anos foi retirar o convertido de sua cultura,
introduzindo na sua prática a cultura de um outro país. Por isso, o Bispo
Emílio afirma: “Inserir o Cristianismo bíblico nas categorias africanas de
pensamento e vida é africanizar, é contextualizar, é descolonizar o
Cristianismo na África".[27]
Não
temos que fazer o mesmo na América Latina? Por retirar o indivíduo da cultura
de seu país, a Igreja não teve tanta aceitação, não teve a influência na
sociedade que poderia ter tido. O próprio Jesus nos deu o exemplo: ele se
encarnou na cultura israelita a fim de estar junto com o povo e salvá-lo
adequadamente.
UMA EVANGELIZAÇÃO QUE LEVE A UMA VIVÊNCIA FRATERNA, JUSTA E
COMUNITÁRIA.
Praticamente,
em todas as Igrejas, temos hoje pessoas com fartura e outras com fome. Temos
pessoas com boas casas e outras sem ter onde morar; temos pessoas que dão aos
seus filhos ótimas escolas e outros que não podem nem estudar. Esta situação
não era para existir no meio cristão. O evangelho veio trazer a Boa Nova do
Reino de Deus, que significa uma vivência fraternal, justa e comunitária. A
Igreja primitiva procurava colocar em prática o ensinamento de Jesus, por isso,
em seu meio não havia quem passasse necessidade (cf. At 2.44; At 4.32-44). O
que acontece hoje é uma distorção do Evangelho! É uma infidelidade a Jesus
Cristo!
E
por isso que a Igreja não pode fazer concessões, não pode deixar de
constantemente questionar a sua prática. Onde o Evangelho chega, algo diferente
tem que acontecer!
A
Igreja precisa urgentemente retomar a prática da Igreja primitiva, segundo os
relatos dos sinóticos e do livro de Atos.
O
Evangelho que a Igreja deve anunciar aos poderosos, aos que têm posses, é um
evangelho que leve a amar o próximo de forma concreta, à semelhança de Barnabé
(At 4.36-37) e Zaqueu (Lc 19.1-10); à semelhança do que Jesus anunciou ao jovem
rico (Mc 10.17-22). Se uma Igreja não tem uma relação justa, fraternal e
comunitária entre seus membros, então, o verdadeiro Evangelho não está sendo
praticado em seu meio.
O
Espírito Santo dá esta consciência e nos leva a praticar o amor fraternal. O
Espírito Santo cria a vivência justa e comunitária (cf. At 2.37-47). Esta
vivência justa, fraternal e comunitária deverá existir também na sociedade. O
Reino de Deus veio exatamente criar esta prática. A nova Jerusalém descreve
esta vivência, onde não mais haverá fome, morte, opressão, desigualdade.
A
Igreja tem esta missão de anunciar e concretizar em seu meio e na sociedade o
Reino pleno de Deus.
UMA EVANGELIZAÇÃO QUE LEVE A CONFESSAR A JESUS COMO SENHOR
E SALVADOR
Jesus
é o Rei do Reino que ele quer instalar definitivamente no mundo. A fé, a
crença, a confiança plena em Jesus é fundamental para que o Reino se instale,
interiormente, em nossa vida e para que, como súditos, como servos de Jesus,
também cooperemos e sejamos instrumentos importantes para instalar o Reino de
justiça e paz no mundo. Neste sentido, devemos seguir o exemplo de Paulo.
Aliás, ele disse para sermos seus imitadores, como ele foi de Jesus.
Sem
a presença de Cristo em nossa vida, ninguém poderá, por muito tempo, por mais
boa vontade que tenha, continuar com o propósito de lutar contra o reino das
trevas. É o Espírito Santo que nos capacita, nos dá forças, nos esclarece, nos
impulsiona para a Missão.
Além
do Cristo libertador, a Igreja deverá anunciar o Cristo crucificado, o Cristo
ressurreto, o Cristo Senhor e Salvador. Somente com Cristo sendo o Cabeça, é
que o Corpo, que somos nós, poderá viver a vida comunitária, a vida fraterna, a
vida justa com o próximo.
Neste
sentido, o exemplo de Paulo é fundamental! Ele tudo deixou por causa de Cristo!
Paulo era rico, era cidadão romano, era pessoa influente na religião em Israel.
A conversão de Paulo o levou a considerar tudo isto insignificante. O amor de
Cristo o transformou! Paulo em muitas ocasiões citou o exemplo de Cristo, que
se esvaziou e se tornou servo (Fp 2.6-7). Ele pediu que a Igreja tivesse o
mesmo sentimento de Jesus (Fp 2.1.5). Paulo vivenciava o Reino de Deus
plenamente.
A
Igreja hoje deve seguir o exemplo dos discípulos de Jesus, que tudo deixaram
por causa do Evangelho. Se a Igreja hoje vive tão cheia de propriedades
ociosas, se a Igreja é constituída de pessoas que estão mais prontas a mandar
do que a servir, se a Igreja é constituída de pessoas riquíssimas e outras
paupérrimas, é exatamente devido à falta de confessar a Jesus como Senhor e
Salvador.
Somente
uma conversão autêntica levará o convertido à prática da justiça, da
misericórdia, da fraternidade. Naturalmente, há muitas conversões autênticas,
mas a Igreja não tem enfatizado a prática do Evangelho ou a vivência do Reino
de Deus, conforme o ensinamento de Jesus.
Se
enfatizarmos somente o Reino de justiça e paz, a evangelização estará
incompleta. Se enfatizarmos também somente o Cristo crucificado, a
evangelização ficará incompleta. Portanto, se a Igreja quiser seguir a Bíblia
por inteiro e todo o evangelho, é necessário enfatizar a fé no Cristo
crucificado e a prática do Reino de justiça e paz.
BIBLIOGRAFIA
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14 — WILLIAMS, Colin, Igreja: Onde Estás?, São Paulo, Imprensa Metodista, 1968.
[1] CULLMANN, O., A Formação do Novo
Testamento, RS, Editora Sinodal, 1970, p. 19
[2] BORN, A. Van Den e outros, "Evangelhos" em Dicionário Enciclopédico da Bíblia, RJ, Editora Vozes, 1977, p. 514
[3] FEUILET, R., Introdução à Bíblia, SP, Editora Herder, 1968, p. 38.
[4] ARIAS, M., Salvação Hoje, RI, Editora Vozes/Tempo e Presença, 1974, p. 35.
[5] ALLMEN, J. Von, Vocabulário B7íblico,
SP, ASTE, Imprensa Metodista, 1972, p. 330.
[6] GONZALEZ, A. e outros, Profetas
Verdadeiros, Profetas Falsos, Salamanca, Edições Sigueme, 1976, p. 93
[7] BOFF, L., Jesus Cristo Libertador, RJ, Editora Vozes, 1974, p. 65.
[8] MESTERS, C., A Palavra de Deus na
História dos Homens, RJ, Editora Vozes, 1973, p. 148.
[9] FEUILI.ET, R., op. cit., p. 59.
[10] WILLIAMS, C., Igreja: Onde Estás?, SP, Imprensa Metodista, 1968, p. 39.
[11] GONZALEZ, A. e outros, ibid., p. 93.
[12] DIETRICH, S., O Desígnio de Deus, SP,
Edições Loyola, 1972, p. 141.
[13] SANTANA, J. de, A Igreja e o Desafio dos
Pobres, RJ, Editora Tempo e Presença/Vozes, 1980, p. 36, Ibid., p. 34.
[14] SANTANA, J. de, op. cit., p. 53.
[15] CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Missão e Evangelização: Uma Afirmação Ecumênica, RJ, CEDI. 1983, p. 27.
[16] A Bíblia de Jerusalém, SP, Edições
Paulinas, 1976, p. 229.
[17] ALLMEN, J., Vocabulário Bíblico, SP,
ASTE, Imprensa Metodista, 1967, p. 137.
[18] COOK, G., Profundidad En la
Evangelizacion, Costa Rica, Publicaciones INDELF, 1975, p. 31
[19] DIETRICH, S., op. cit., p. 238.
[20] ARIAS, M., op. cit., p. 30.
[21] ALLMEN,
J., op. cit., pp. 136-7.
[22] COOK, G.. op. cit., p. 3.
[23] CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, op. cit., p. 27.
[24] GONZALEZ, A., op. cit., p. 92
[25]
CARVALHO, E. J. M., Teologia e
Prática do Metodismo — Uma Experiência da Igreja em Angola, SP, Imprensa
Metodista e Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1984, p. 52.
[26] Ibid, pág. 54.
[27] CARVALHO, Emílio Júlio Miguel, Teologia
e Prática do Metodismo — Uma Experiência da Igreja em Angola, São Paulo,
Imprensa Metodista/Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1984, p.54..
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