Fonte de água viva para vidas no deserto
Sermões de Wesley em
linguagem para nossos dias
Odilon
Massolar Chaves
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Odilon Massolar
Chaves é pastor metodista aposentado, doutor em Teologia e História pela
Universidade Metodista de São Paulo.
Sua tese tratou
sobre o avivamento metodista na Inglaterra no século XVIII e a sua contribuição
como paradigma para nossos dias.
Foi editor do
jornal oficial metodista e coordenador de Curso de Teologia.
É escritor, poeta
e youtuber.
Toda glória seja
dada ao Senhor
ÍndicE
· Apresentação
· Introdução
· A Cura da maledicência
· Sobre o pecado nos crentes
· A vida no deserto
· A negação de si mesmo
· A circuncisão do coração
· A perfeição cristã
Apresentação
Com grata satisfação, atendi à solicitação do Rev. Odilon Chaves para alinhavar uma palavra de apresentação das linhas que seguem e que são de sua autoria.
Fico-lhe muito agradecido pela deferência, honrando-me para execução deste mister. O Rev. Odilon Chaves, sem dúvida, é bem conhecido em nossos arrebaldes evangélicos. Pois, seu dom de escritor polígrafo já nos tem prelibado, outras vezes, com obras de requintado valor e são contribuições muito significativas para a experiência da vida cristã.
Com as diversas produções literárias de sua lavra, poderá ser alinhado perfeitamente na galeria dos escritores evangélicos brasileiros. Seu estilo é agradável, facilitando muito com sua linguagem a compreensão dos leitores.
O conteúdo desta obra que segue, “FONTE DE ÁGUA VIVA PARA
VIDAS NO DESERTO”, calha, com muito acerto em nosso meio evangélico,
especialmente metodista, nos dias atuais. Na verdade, trata-se de mais uma
contribuição preciosa que o autor nos oferece.
No âmbito evangélico metodista, com especialidade, salienta-se uma ênfase à parte. A Igreja Metodista, nos dias que correm, busca redescobrir sua identidade, em termos da dinâmica do gênio e do espírito do Metodismo.
Neste sentido, a obra do Rev. Odilon Chaves adiciona-se, perfeitamente àquele esforço, que ela está encetando, redimensionando, atualizando e dinamizando os valores históricos do Metodismo como avivamento religioso apropriado para nosso mundo hoje.
Além do mais, “FONTE DE ÁGUA VIVA PARA VIDAS NO DESERTO”, vem, com toda certeza, trazer alguma forma de suprimento para uma lacuna que ocorre em nosso meio evangélico atualmente: ausência de recursos para estudos bíblicos em nossas igrejas locais. Pode-se ver, muito bem, que os diversos temas são sugestivos, abrem picadas para outras colocações, outros estudos, oferecendo subsídios para estudos bíblicos nas igrejas locais e mesmo em grupos particulares.
Veja-se, por exemplo, o alcance oportuno dos temas: “A NEGAÇÃO DE SI MESMO”, “A CIRCUNCISÃO DO CORAÇÃO”, “VIDA NO DESERTO” etc. Desta sorte, recomendamos com muito prazer esta contribuição literária evangélica do Rev. Odilon Chaves.
Ela, com toda certeza, enriquecerá a biblioteca evangélica brasileira.
Adriel de
Souza Maia, Bispo
Presidente do
Colégio Episcopal
Introdução
Ao longo dos séculos o Senhor levantou homens e mulheres cheios do Espírito Santo, que foram usados para transformar vidas. Nos nossos dias podemos recorrer aos escritos desses servos e servas do Senhor, pois são atuais.
Ainda não vi profundidade espiritual como teve João Wesley, que viveu na Inglaterra entre 1703 e 1791. Sua vida de oração era intensa. Sua meditação na Palavra de Deus era constante. Suas experiências com o poder do Espírito foram imensas. Deixou marcas profundas no cristianismo. Ainda hoje, é citado pelos líderes das grandes denominações que levam a sério a vida espiritual.
Por causa disto, resolvemos fazer uma análise e resumo dos seus sermões. Evidentemente, foram escritos para uma época. Hoje, precisamos apresentar essa mesma mensagem de uma forma mais suave, compreensível para nossos dias. Apresentamos aqui apenas alguns dos seus sermões.
Wesley não fica atrás dos líderes e escritores que o Senhor tem levantado nos nossos dias. Por isso, leia com atenção para que haja amadurecimento espiritual em sua vida.
Para orientação do leitor, os sermões de Wesley aqui comentados estão resumidos. Por isso, no final de cada sermão colocamos a importância de verificar todo o sermão.
O objetivo deste resumo é para que todos possam entender o centro da mensagem que o Senhor colocou na vida de João Wesley.
Cremos que essas mensagens são fonte de água viva para as pessoas que estão passando por um deserto espiritual.
Tome posse e você será restaurado e edificado.
O Autor
A cura da maledicência
Jesus disse: “Se teu irmão pecar (contra ti), vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste um irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano” (Mt 18.15-17).
O que é maledicência?
Wesley diz: “Não é, como alguns supõem, o mesmo que mentira ou calúnia. Tudo quanto o homem diz pode ser verdadeiro como a Bíblia, e ainda seu falar constituir maledicência”.
Maledicência é “dizer mal de uma pessoa ausente, referindo alguma falta que houvesse sido realmente praticada ou dita por alguém que não se encontre presente quando se faz a referência”.
É o mesmo que “falar pelas costas”.
Para Wesley, murmuração é fazer referência a um fato “de modo simples e sereno (talvez com expressões de boa vontade para com a pessoa, e com esperança de que as coisas não sejam inteiramente más) ”.
Esse é um pecado comum. Tanto rico e pobre, o sábio e o insensato tem cometido essa transgressão. “Como estamos rodeados por ele de todos os lados, se não formos profundamente sensíveis ao perigo, e se não nos guardarmos constantemente, estaremos sujeitos a ser levados na torrente”.
A maledicência nos ataca sob disfarce, diz Wesley, pois “falamos assim por uma nobre, generosa (será bom se não dissermos santa) indignação contra aquelas vis criaturas! Cometemos pecado por mero ódio ao pecado! Servimos ao diabo por zelo puro de Deus! ”.
Como evitar, então, o laço?
Jesus nos ensina um método seguro de evitar a maledicência: “Se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente: se te ouvir, ganhaste a teu irmão. Mas se não te ouvir, leva ainda contigo uma ou duas pessoas, para que por boca de duas ou três testemunhas toda a questão se decida. E se ele recusar ouvi-las, dize-o à igreja; e se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano” (Mt 18.15-17).
“Se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente.”
Wesley diz que se você viu com seus próprios olhos um irmão ou irmã cometer pecado, ou ouvir com seus próprios ouvidos, não duvidando, portanto, do fato, “aproveita a primeira oportunidade para ires ao seu encontro”.
Wesley adverte ao que irá falar: deve-se tomar cuidado que isso aconteça “num espírito reto e de maneira correta. O sucesso de uma advertência depende grandemente do espírito com que é feita”.
A exortação deve ser feita num espírito de serenidade, Wesley adverte: “Vê que fales num espírito de mansidão, assim como de serenidade, porque a ira do homem não cumpre a justiça de Deus”.
Wesley orienta: “Fala, ainda, num espírito de terno amor”. Assim amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça.
Não termina aí a orientação de Wesley. Ele diz: “Mas vê que a maneira por que fales seja também segundo o Evangelho de Cristo. Evita tudo no olhar, no gesto, na palavra e no tom de voz que tenha o sabor de orgulho ou de suficiência própria. Ponderadamente, evita todo ar didático ou dogmático; tudo que resuma arrogância ou presunção”.
No relacionamento, na orientação, não deve haver nenhuma sombra de ódio, amargura, aspereza, mas uma linguagem de doçura e delicadeza “para que todas as palavras possam demonstrar que jorram do amor no coração”.
Wesley, porém, orienta: “Essa doçura não deve, todavia, impedir que fales de maneira mais séria e solene”.
Mas, e se não tivermos oportunidade de falar pessoalmente com as pessoas?
Wesley diz que podemos falar por meio de uma outra pessoa, “um amigo comum, em cuja prudência, assim como integridade, possas inteiramente confiar. Tal pessoa, falando em teu nome, no espírito e da maneira acima descrita, pode preencher o mesmo fim e, em boa medida, suprir tua falta nesse serviço”.
Sempre que puderes falar por ti mesmo, será muito melhor.
Mas, que fazer se não pudermos falar diretamente e nem por um amigo em quem podemos confiar?
Wesley diz que só resta escrever. E haverá algumas circunstâncias que tornem este o meio aconselhável. Uma dessas circunstâncias ocorre quando a pessoa com quem temos de tratar é de temperamento tão excitável e impetuoso que não suporte facilmente admoestações, especialmente de um igual ou inferior. Mas estas obras podem ser apresentadas e abrandadas no escrito, de modo a se tornarem muito mais toleráveis.
Segundo Wesley, as palavras escritas não causam violento abalo no seu orgulho, nem ferem a honra sensivelmente.
É bom lembrarmos que esse é o primeiro passo que Jesus nos ordena a seguir. Ele deve ser dado, em primeiro lugar, antes de tentarmos qualquer outro.
Para aqueles que não desejam tomar essa atitude de falar com o irmão ou irmã que erraram, ele diz: “Deus te reprova por causa de um pecado de omissão, por não falares a teu irmão acerca de sua falta”. Ele adverte: “A comodidade comprada em troca do pecado é um mau negócio”.
Wesley diz que só conhece uma exceção a essa regra em que seja necessário denunciar o culpado, embora ausente: para salvar o inocente. Quando estamos a par da intenção de uma pessoa que deseja prejudicar a alguém (propriedade ou a vida do próximo). Neste caso, “é nosso dever indeclinável dizer mal de um ausente para evitar que este faça mal aos outros e ao mesmo tempo a si mesmo”. Devemos usar esse meio com temor e tremor, pois é um remédio perigoso.
Mas, e se nós formos falar com ele e ele não nos ouvir?
E se retribuir o bem com o mal?
E se ele se irritar em vez de se convencer?
Wesley diz que devemos esperar constantemente isso. Mas a bênção que nós desejamos para a pessoa que errou voltará ao nosso próprio coração.
Jesus nos orienta a seguir um segundo passo: “toma contigo um ou dois mais”. Que eles sejam amáveis, amigos de Deus e de seu próximo. Devem ser também de espírito sincero e humildes, sejam mansos e delicados, pacientes e longânimos, incapazes de retribuir o mal com o mal. Que sejam pessoas de “entendimento, dotados de sabedoria do alto”, livres de parcialidade, livres de preconceitos etc.
“O amor ditará a maneira pela qual devam proceder”, diz Wesley.
Essas pessoas devem ouvir de sua própria boca as palavras que você falou na primeira conversa. Assim essas pessoas serão mais capazes de ter um reto procedimento, saber a melhor maneira de agir.
E se, mesmo assim, ele não nos ouvir?
Bem, Jesus nos deu um outro passo a seguir: “Dize-o à Igreja”.
Wesley entende que Jesus não está falando que o assunto deve vir a público, ou seja, a toda a congregação, pois não teria “nenhum fim apreciável contar as faltas de todo membro individual à igreja”.
Então, “resta dizê-lo ao presbítero ou presbíteros da igreja, àqueles que são os pastores do rebanho de Cristo, a quem ambos pertenceis, que velam sobre a tua alma e sobre a dele”.
Wesley diz que “quando tiverdes feito isto, terás libertado tua própria alma”. Devemos entregá-lo a Deus, em oração. Jesus disse: “Seja ele para ti como um gentio ou publicano”, ou seja, “Não tens obrigação de pensar dele nada mais a não ser quando o encomendares a Deus em oração”.
Devemos ter cortesia, bondade para com ele, quando for preciso, “mas não tenhas amizade, nenhuma intimidade com ele; nenhuma outra relação do que a que deves ter com um gentio conhecido como tal”.
Wesley adverte aos metodistas: “Se, pois, alguém começar a dizer mal a teus ouvidos, repele-o imediatamente. Recusar-nos a ouvir a voz do encantador ...”.
Devemos recusar ouvir, mesmo que ele “use de maneiras delicadas, de doce melodia, com os melhores protestos de boa vontade para aquele a quem está assassinando no escuro, para com aquele a quem está ferindo sob a quinta costela! Recuse-se resolutamente a ouvir, embora o maldizente se queixe de estar “sobrecarregado, enquanto não falar”.
Ele conclui: “Expulsai a maledicência, o falatório, a murmuração: que nenhuma dessas coisas proceda de vossa boca”. Um metodista, diz Wesley, “não censura a ninguém pelas costas”. O Senhor nos habilitou a amar-nos assim uns aos outros, não apenas de palavra e de língua, mas em obras e em verdade, assim como Cristo nos amou![1]
Sobre o pecado nos crentes
“Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura” (2Co 5.17).
“Há, porventura, pecado no que crê em Cristo? Permanece o pecado no que crê em Cristo? Subsiste qualquer pecado nos que foram nascidos de Deus, ou estão inteiramente libertados do pecado?”
Wesley faz essas perguntas e diz que isso não é mera curiosidade e nem algo de pequena importância. Da sua solução depende a nossa felicidade presente e futura.
Esse assunto não foi objeto de discussão na Igreja Primitiva, pois todos estavam concordes. As comunidades dos crentes antigos nos deixaram escrito de que mesmo os que são fortes no Senhor e na força do seu poder têm necessidade de lutar contra a carne e o sangue, contra uma natureza depravada, assim como contra principados e potestades.
Wesley diz que a nossa Igreja segue exatamente a Igreja Primitiva no seu artigo nono: “O pecado original é a corrupção da natureza de todo homem, pela qual este é por sua própria natureza inclinado para o mal, de modo que a carne cobiça contra o Espírito. Esta infecção da natureza permanece mesmo naqueles que são regenerados, visto que a cobiça da carne (...) não está sujeita à lei de Deus. E embora não haja condenação para os que crêem, essa cobiça participa da natureza do pecado”. *
O mesmo testemunho dão as outras Igrejas - a grega, a romana e todas as comunidades reformadas da Europa.
Algumas pessoas bem intencionadas correram para o lado oposto, como o Conde Zinzendorf que afirmava: “todos os verdadeiros crentes não são somente salvos do domínio do pecado, mas do pecado interno e externo, de modo que o pecado não mais permanece neles”.
Os ingleses que receberam dos morávios essa doutrina não se mostravam prontos a romper com ela, mesmo depois de convencidos de que semelhante posição teológica seria insustentável.
Por amor a verdade, Wesley passa a explicar o que entende do assunto.
Ele diz que o homem justificado tem um estado grande e glorioso. Ele é renascido de Deus. É filho de Deus, membro de Cristo e herdeiro do Reino dos céus. Seu corpo é templo do Espírito Santo. Ele é criado de novo em Jesus Cristo: é lavado de toda a corrupção que há no mundo; o amor de Deus é derramado em seu coração pelo Espírito Santo que lhe é dado.
Enquanto anda em amor, presta culto a Deus em espírito e em verdade, guarda os mandamentos de Deus e faz as coisas agradáveis, esforçando-se por ter uma consciência limpa ele tem poder, tanto sobre o pecado interior como exterior, uma vez que é justificado.
“Mas não foi libertado de todo pecado, deixando este de existir em seu coração?” Wesley responde que não pode dizer isto. Paulo, descrevendo o estado dos crentes em geral, dizia: “A carne cobiça contra o espírito e o espírito contra a carne: estes são contrários um ao outro” (Gl 5.17).
Wesley diz: “Nada pode ser mais claro.” O apóstolo, aí, diretamente afirma que a carne, a natureza má, opõe-se ao espírito mesmo no caso dos crentes; que, mesmo nos regenerados, há dois princípios “contrários um ao outro”.
Ainda mais, quando escreve aos crentes de Corinto, aos que eram regenerados em Cristo Jesus (1Co 1.2), diz: “E, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mais como a carnais, como a crianças em Cristo. Vós sois ainda carnais; porque, desde que há em vós inveja e contenda, não sois carnais?” (1Co 3.1-3).
Paulo não diz que eles perderam a fé. Diz que são criancinhas em Cristo. Mostra também que todo crente é carnal, enquanto permanece na condição de criancinha em Cristo.
Quase todas as direções e instruções nas epístolas fundam-se neste pressuposto, apontando tendências más ou práticas errôneas nas comunidades da Igreja Primitiva. Para a Igreja de Pérgamo, é dito para ela arrepender-se, o que implica em pecado, embora nosso Senhor expressamente diga: “Tu não negaste a minha fé” (Ap 2.13,16). Para a Igreja de Éfeso, é dito: “Conheço tuas obras, e teu trabalho, e tua paciência, e que por amor do meu nome tens trabalhado e não tens desanimado.” (Ap 2.2-4), mas havia pecado também em seu coração: “Entretanto, tenho alguma coisa contra ti, porque deixaste teu primeiro amor”. “Este era um pecado real que Deus viu em seu coração.”, diz Wesley.
Wesley ainda lembra que o apóstolo exorta os crentes a “purificar-se de todas as impurezas da carne e do espírito” (2Co 7.1). Com isso, claramente ele ensina que esses crentes ainda não são suficientemente puros.
O abster-se de toda aparência do mal não significa que se purifica de toda impureza, pois se uma pessoa me repreende asperamente, sinto ressentimento, que é uma nódoa do espírito: ainda que eu não pronuncie uma palavra denunciadora, isso não me purifica daquela mancha do espírito.
Os filhos de Deus continuamente sentem um coração tendendo para a rebeldia, uma inclinação para o mal, um forte pendor para se apartar de Deus e apegar-se às coisas da terra.
Mas pode Cristo estar no mesmo coração em que está o pecado?
Wesley responde que, indubitavelmente, pode; de outro modo nunca poderia ser salvo dos pecados. Onde há doença aí há necessidade de médico.
“Cristo não pode, em verdade, reinar onde reina o pecado, nem habitar onde algum pecado habita. Mas ele está no coração de todo crente e nesse coração habita, havendo aí combate ao pecado ...”
“Esta doutrina oposta é bastante nova na Igreja”, diz Wesley. Dela não se ouviu falar durante dezessete anos. A velha religião é a única verdadeira. “E nenhuma doutrina pode ser certa, se ela não for a mesma que era desde o princípio.”, diz Wesley.
Por quatro motivos, Wesley diz que não aceita esta doutrina; primeiro, porque é contrária a todo teor das Escrituras, segundo, porque é contrária à experiência dos filhos de Deus, terceiro, porque é absolutamente nova, dela não se tendo ouvido falar no mundo até ontem, e, por fim, porque dela decorrem as conseqüências mais desastrosas.
Algumas pessoas afirmam que todo crente nascido de Deus é puro, é santo, é santificado, é limpo de coração, tem um novo coração, é templo do Espírito Santo. Pelo raciocínio dizem: “O que é nascido da carne é carne e mau. O que é nascido do Espírito é espírito e totalmente bom. O homem não pode ter, ao mesmo tempo um coração novo e velho”.
Sobre a afirmação de que o que é nascido do Espírito é espírito e totalmente bom, Wesley diz que reconhece o texto, mas não o comentário, pois o texto afirma: “O que é nascido do Espírito é um homem espiritual, e não vai além disso”. É espiritual, mas pode ser ou não ser totalmente espiritual. Os cristãos de Corinto eram homens espirituais, todavia, não eram totalmente espirituais; eram ainda, em parte, carnais. Não haviam decaído da graça. Paulo diz que eram criancinhas em Cristo.
Sobre a afirmação de que o crente não pode ser puro, santo e santificado e ao mesmo tempo impuro, impenitente e ímpio, Wesley afirma: “Pode”. Assim eram os coríntios: “'Fostes lavados fostes santificados de pecados externos' (1Co 6.9-11), mas ainda eram profanos. Não estavam lavados e nem interiormente purificados de inveja, suspeita de mal, parcialidade”.
Eles tinham um coração novo e velho ao mesmo tempo. Eles estavam sendo verdadeiros, ainda que não inteiramente renovados. Sua mente carnal fora pregada na cruz, mas não fora totalmente destruída.
Mas, respondem os que se opõem, há uma passagem nas Escrituras que porá a questão fora de dúvida: “Se alguém está em Cristo é nova criatura. As coisas velhas passaram; e eis que todas as coisas se fizeram novas” (2Co 5.17). Não se pode ser nova e velha criatura!
Wesley responde: “Pode, sim; pode ser parcialmente renovado, que é precisamente o caso de Corinto. Eles foram, indubitavelmente, renovados no espírito de sua mente, ou não poderiam chegar a ser criancinhas em Cristo; todavia, não possuíam toda a mente que houve em Cristo, uma vez que invejavam uns aos outros”.
Sobre as coisas velhas que passaram, Wesley responde o que entende: “seu velho conceito acerca da justificação, santidade, felicidade, e, numa palavra, no tocante às coisas de Deus em geral, passou; assim também passaram seus antigos desejos, desígnios, afeições, tendências e conversação. Todas essas coisas se tornaram realmente novas, grandemente mudadas em relação ao que eram antes; contudo, sendo novas, não são totalmente novas. Ainda ele sente, para sua tristeza e confusão, que algo permanece do velho homem, permanecem traços demasiadamente manifestos de seus primitivos pendores e afeições, embora estes não possam obter vantagem sobre sua alma, enquanto permanecer vigilante na oração”.
Wesley argumenta: “... toda criancinha em Cristo é santa; todavia, não é totalmente santa. É salvo do pecado, mas não inteiramente; o pecado permanece, embora não reine”.
Na vida ou no coração do crente, não há desacordo com a lei do amor, conforme Paulo fala em 1 Coríntios 13?
“Que não haja pecado no coração do cristão adulto, é outro caso”, diz Wesley.
Sobre ainda outro argumento que diz: Os crentes andam segundo o Espírito (Rm 8.1), e o Espírito de Deus habita neles, consequentemente, estão livres da culpa, do domínio do pecado, ou, numa palavra, do pecado”.
Wesley responde: “Que os crentes estejam livres da culpa e do poder do pecado, concordamos; que estejam livres da essência do pecado, negamos”.
Nós somos reconciliados com Deus pelo sangue da cruz. A corrupção da natureza é posta debaixo dos pés; a carne não mais tem domínio sobre nós. Ela, entretanto, ainda existe e ainda é, por sua natureza, inimizade para com Deus, por isso cobiça contra o Espírito.
Wesley ainda argumenta contra a afirmação de que, em Jerusalém, nada de impuro pode penetrar, dizendo que os crentes são do mesmo modo santos e sem mancha, enquanto andam segundo o Espírito, embora sintam que há um princípio oposto ao outro.
Ainda sobre a afirmação que os que são de Cristo crucificaram a carne com suas afeições e cobiças (Gl 5.24), Wesley diz: “Assim fizeram, mas a carne permanece neles e sempre luta por se desprender dos braços da cruz”.
Sim, Cristo se deu para que a Igreja de Cristo fosse santa e sem defeito (Ef 5.25-27). Assim será no fim, mas nunca chegou a sê-lo desde seu começo até esse dia.
Wesley argumenta que pode haver no crente pecado sem haver culpa ou poder do pecado. Ele diz que o ressentimento deixado por uma afronta recebida é pecado e ele tem existido nele um milhar de vezes. Todavia, ele nem reinou, nem reina. Ele diz que, se o ressentimento que sente não for avante, nem por um momento, de modo algum haverá culpa, nem condenação da parte de Deus. Esse pecado não tem poder. Embora ele cobice contra o espírito, não pode prevalecer.
Mas, o que tem pecado, não é escravo do pecado?
“Não suponho”, diz Wesley, “que o homem justificado continue sendo escravo do pecado”. O pecado permanece (ao menos por algum tempo) em todos que são justificados.
A carne está em ambos - incrédulos e regenerados - mas não no mesmo sentido. Os incrédulos são governados pelo pecado e o obedecem. O crente pode ter orgulho, obstinação, mas não é governado pelo pecado. Ele anda segundo o Espírito.
A incredulidade pode estar no crente?
A incredulidade, que é ausência de fé ou fraqueza de fé, não cabe no crente. Mas, a incredulidade, entendida como dúvida e temor, está nas criancinhas em Cristo, sim, fé diminuta.
Wesley conclui: “O homem pode estar na graça, embora sinta o pecado; perderá aquela condição somente se submeter-se ao pecado”. Ter o pecado em si não afasta o favor de Deus; afasta-o, porém, ao dar lugar ao pecado. “Embora em ti cobice a carne contra o espírito, podes ainda ser filho de Deus; se, porém, andares, segundo a carne, serás filho do diabo”.
Ele alerta para retermos a sã doutrina. Diz ainda para
vigiarmos e orarmos contra o inimigo interior. Tomemos toda armadura de Deus.
Lutemos contra a carne e o sangue, contra principados, poderes e espíritos
depravados. Fiquemos firmes no dia mau, e tendo feito tudo, permaneçamos firmes
na fé.[2]
A vida no deserto
Wesley cita Jesus: “Vós outros sem dúvida estais tristes, mas eu hei de ver-vos de novo, e o vosso coração ficará cheio de gozo; e o vosso gozo ninguém vo-lo tirará” (Jo 16.22).
Após a saída do Egito, o Povo de Deus não entrou imediatamente na Terra Prometida, mas peregrinou no deserto onde foi tentado e provado.
Da mesma forma acontece hoje com os que foram tirados do cativeiro do pecado e de Satanás, após terem sido justificados pela graça, pela redenção em Cristo. A maior parte vaga fora do bom caminho de Deus. Chegam a um vasto deserto onde são tentados e afligidos, como os israelitas foram para um deserto.
Os que estão em trevas não compreendem a natureza de sua própria desordem e poucos entre os irmãos e mestres sabem qual seja a sua enfermidade e o modo de curá-la. Temos que saber a natureza, a causa da doença e o processo da cura.
A natureza da doença
Seus sintomas: Consiste na perda daquela fé em Deus, que Ele operou em seu coração. Os que estão no deserto não têm agora a divina “evidência”, a satisfatória convicção das coisas não vistas; não têm agora a demonstração interior do Espírito que antes habilitara cada um a dizer: “A vida que eu vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus que me amou e entregou-se a si mesmo por mim”.
Daí procede, em segundo lugar, a perda do amor, que se ergue ou cai na mesma proporção com a verdadeira fé. Os que são privados de fé são também privados de amor.
Outrora foram bondosos e tinham mansidão, mas depois a ira começou a recuperar seu poder.
Em consequência da perda da fé e do amor, segue-se, em terceiro lugar, a perda da alegria no Espírito Santo.
Se o Espírito não testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus, a alegria que decorre do testemunho interior toca também ao fim.
A perda da fé, do amor e da alegria também se acrescenta a perda da paz que excede toda compreensão. Aquela doce tranquilidade de espírito, aquele descanso de espírito se foram. As dúvidas torturantes regressam.
Mas isto ainda não é tudo, porque a perda da paz é acompanhada da perda do poder. Sabemos que todo aquele que tem paz com Deus através de Jesus Cristo tem poder sobre todo o pecado. Onde permanece aquela paz, também permanece no homem o poder.
As causas da doença
“São muitas”, diz Wesley. Não existe, porém, nelas a soberana vontade de Deus. Ele se regozija na prosperidade de seus servos. Nunca deseja retirar-nos os Seus dons, Ele jamais nos abandona. Nós é que o abandonamos.
A causa mais comum da escuridão interior é o pecado de uma ou outra espécie.
Pelo pecado de comissão (participação), a alma é obscurecida, geralmente, num momento, principalmente, se o pecado é ostensivo, voluntário e conhecido, como a bebedice. Em geral, tal abuso da bondade de Deus determina um imediato afastamento de Deus e a vinda de uma escuridão que se pode tocar.
No pecado de omissão, negligenciamos a prática da oração particular. Nada pode suprir a falta da oração. Através dela, entramos em comunhão com o Senhor, derramando nossos corações diante dele.
Outro pecado de omissão é não admoestar nosso irmão que errou. Toleramos seu pecado e nossa alma fica débil. Tornamo-nos culpados à vista de Deus.
Pelo pecado interior, perdemos a luz divina e damos lugar às trevas. Um coração orgulhoso é abominação ao Senhor. Quando damos lugar à ira, por causa de uma provocação, mesmo querendo ser zelosos, na mesma proporção que a ira prevalece, diminuem o amor e a alegria no Espírito Santo.
Se dermos lugar ao espírito de ofensa, ao menos por uma hora, perdemos as doces influências do Espírito Santo...
Se continuarmos ofendendo a Deus com nossos ídolos e correndo após outros deuses, bem depressa seremos frios, áridos e secos; e o deus deste mundo nos cegará e obscurecerá os corações.
Ele age assim também em nós, quando também não acendemos o dom de Deus que há em nós; quando não agonizarmos continuamente por entrar pela porta estreita; o não combatermos ardentemente pelo domínio ...
O pecado que nos leva para o deserto pode ter sido cometido meses antes. Só agora Deus escondeu Sua luz e Sua paz em razão de Sua longanimidade e terna misericórdia. Ele esperava que nos arrependêssemos.
Outra causa das trevas na vida do crente é a sua ignorância. Por não conhecer as Escrituras, acham normal e esperam que todo crente passe pelas trevas. Como foram ensinados a esperá-la, naturalmente, ela virá.
Uma outra causa da vinda das trevas é a tentação.
Quando vêm os ventos, chuvas e as torrentes, o mal que ainda permanece no coração também se agitará de novo; a ira e muitas outras raízes de amargura tentarão brotar outra vez. Ao mesmo tempo, Satanás não deixará de lançar seus dardos inflamados, e a alma terá que lutar com o mundo e com os principados.
Quando tão variados assaltos se fazem de uma vez, e talvez com a máxima violência, não é para estranhar que esses combates determinem a obscuridade no crente fraco, principalmente, se ele não estava vigilante.
As tentações que se levantam do interior aumentar-se-ão desmedidamente, se antes houvermos pensado de nós mesmos demasiadamente alto.
O remédio para a doença
“Supor que o remédio seja um e o mesmo em todos os casos, é um grande e fatal engano”, diz Wesley.
Há alguns que usam apenas um remédio: dar conforto. Wesley chama isso de charlatanismo.
Os métodos de cura de enfermidades espirituais, como das corporais, devem ser tão variados como são as causas das enfermidades.
Descobrindo a causa, teremos indicado o remédio.
Que pecado traz trevas à alma?
Vossa consciência vos acusa de cometer qualquer pecado, com o qual ofendestes o Santo Espírito de Deus?
Se foi por essa causa que se foram a alegria e a paz, “purificai vossas mãos, pecadores”. “Lançai fora a maldade de vossos feitos”, diz Wesley.
Se não houver nenhum pecado de comissão (participação) após apurada investigação, procurai ver se não há pecado de omissão que esteja fazendo separação entre você e Deus.
Enquanto o pecado de comissão ou omissão não for removido, todo conforto será falso e enganoso. Será somente recobrir de gaze a ferida que ainda supura e ulcera-se por debaixo, diz Wesley.
Não espereis paz interior enquanto não estiverdes em paz com Deus.
Se não houver pecado de comissão ou omissão, procure ver se há algum pecado interior que, como raiz de amargura, brote em vosso coração para vos conturbar.
As garras do orgulho não se voltaram contra vós?
Não pensastes de vós mesmos mais altamente do que devíeis pensar?
Não atribuístes vosso triunfo à vossa própria coragem, ou força, ou sabedoria?
Não tendes procurado ou desejado o louvor dos homens?
Se caístes pelo orgulho, “humilhai-vos debaixo da poderosa mão de Deus, e Ele vos exaltará no tempo oportuno”.
Não vos irritastes em razão da impiedade? Ou não fostes odiosos contra os que praticam o mal?
Olhai, então, para o Senhor, para que possais renovar vossa fortaleza; para que toda frieza e trevas se dissipem; para que o amor, a paz e a alegria voltem juntos e possais ser bondosos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos um ao outro.
Ele não habitará num coração dividido. Enquanto acolherdes Dalila em vosso seio, Ele não terá lugar aí. Arrancai todo ídolo de seu santuário, e a glória do Senhor logo se manifestará.
Talvez seja justamente isto - a falta de esforço, a preguiça espiritual - que mantém vossa alma em trevas. Diz Wesley: “Despertai do sono e mantende-vos despertos!”
Se, após o mais completo e mais imparcial exame de vós mesmos, não puderdes descobrir a que pecado dais lugar, então evocai o tempo que passou. Considerai vossas primitivas disposições, palavras e ações. Foram elas retas diante de Deus? Entrai em comunhão com Ele em vosso quarto e assim esperai; desejai que Ele sonde o fundamento de vosso coração e traga à vossa lembrança o que quer que haja, em qualquer tempo, ofendido a Deus.
Se a culpa de algum pecado de que não houve arrependimento permanece na alma, esta não pode deixar de permanecer em trevas, até que sendo renovada pelo arrependimento, sejais de novo lavados pela fé.
Será inteiramente diverso o meio de cura, se a causa da doença não for o pecado, mas a ignorância. Pode ser ignorância da significação da Escritura. A ignorância deve ser removida, antes que possamos remover as trevas que resultam dela. Devemos mostrar o verdadeiro significado do texto da Escritura.
O pecado começa antes de sua punição, a qual pode permanecer, mesmo o pecado tendo seu fim. A luz não virá imediatamente. Deus pode restaurá-la quando lhe aprouver.
Uma ferida não pode ser curada, enquanto o dardo estiver encravado na carne. A cura não se opera tão logo seja o dardo retirado, mas a dor e o sofrimento podem durar por muito tempo depois.
Se as trevas forem ocasionadas por multiformes, graves e inesperadas tentações, o melhor meio de as removê-las e preveni-las é ensinar aos crentes a esperarem sempre pela tentação, visto habitarem num mundo mau, em meio de espíritos maus, sutis e maliciosos, e terem um coração capaz de todo mal; convencê-los de que a obra de santificação não é operada de uma só vez.
Acima de tudo, sejam instruídos a não discutirem com o diabo, quando as tempestades caírem, mas a orarem, derramarem suas almas diante de Deus.
Aí, podemos descansar na fidelidade de Deus, cuja palavra é provada ser final. E sobre a virtude de Jesus, que derramou Seu sangue por nós, Deus então irá tirar a alma da angústia e fará com que a luz e a glória do Senhor brilhe sobre ti. Sim, e aquela luz, se andardes humildes e estreitamente com Deus, brilhará cada vez mais até o dia perfeito.[3]
A negação de si mesmo
“E Ele dizia a todos: se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23).
Geralmente, se pensa que Jesus estivesse se referindo aos apóstolos, aos cristãos primitivos ou a quem esteja sob perseguição. Mas Wesley diz que isso é um grande engano. Ele se referia a toda humanidade, embora Ele falasse, naquele tempo, mais imediatamente aos apóstolos e aos discípulos.
A significação do texto é que se algum homem (pessoa) de qualquer categoria, posição, circunstância, em qualquer nação, em qualquer época do mundo “quiser” efetivamente vir após mim, negue-se a si mesmo em todas as coisas, “tome sobre si a sua cruz”, qualquer que seja a sua espécie, sim, e isto “diariamente”, e siga-me.
A negação de si mesmo não é algo de pouca importância, mas é absolutamente indispensável, quer para que nos tornemos discípulos de Cristo, quer para que nos conservemos nesta condição.
Se continuamente não negarmos a nós mesmos, não aprenderemos dele, mas de outros mestres. Se não tomarmos diariamente a nossa cruz, não o seguimos, mas acompanhamos o mundo, ou o príncipe deste mundo, ou nossa própria mente carnal. Se não andamos pelo caminho da cruz, não estamos seguindo-o; não estamos andando em suas pegadas, mas estamos retrocedendo, ou, pelo menos, retardando-nos na jornada.
É por isso que, em quase todas as épocas e nações, tantos ministros têm escrito e falado tão largamente acerca deste importante dever. Mas há ainda um pequeno número de pessoas que não teve oportunidade de ouvir ou ler sobre este assunto.
Wesley, contudo, diz que nem todas as pessoas abordaram o assunto em grande profundidade, por isso, ele passa a explicar sobre o que é para o ser humano o negar-se a si mesmo e o que é tomar a sua cruz.
O que é negar-se a si mesmo e tomar diariamente a sua cruz?
Após comentar que muitos se levantam contra esse assunto instigados pelo grande inimigo de nossas almas, Wesley diz que “a vontade de Deus é a suprema, inalterável regra para toda criatura inteligente, igualmente obrigando a todo anjo do céu e a todo homem da terra”.
Wesley diz que, se a vontade de Deus é nossa única regra de ação em todas as coisas, grandes e pequenas, segue-se, por consequência irrecusável, que não temos de fazer nossa própria vontade em coisa alguma.
Essa é a razão da negação de si mesmo: a negação ou recusa de seguir nossa própria vontade, pela convicção de que a vontade de Deus nos é a única regra de ação.
Nós somos criaturas. Foi Ele quem nos fez, e não nós mesmos.
Além disso, há ainda uma razão muito forte: a condição em que se encontram todas as pessoas após a queda. Todos nós agora somos “gerados em iniqüidade, e em pecado nossa mãe nos concebeu”. Diz Wesley que a nossa natureza é por igual corrupta em cada um dos seus poderes e em cada faculdade. E nossa vontade, igualmente depravada como o resto, está totalmente vendida para acariciar nossa corrupção natural.
Por outro lado, é da vontade de Deus que resistamos à corrupção e a neutralizemos em todos os tempos e em todas as coisas. Esse é um novo fundamento à constante negação de si mesmo.
A vontade de Deus é o caminho que leva a Ele. A vontade do ser humano é outro caminho oposto ao caminho de Deus. Não podemos andar em ambos.
É incontestavelmente agradável, no presente, seguir nossa própria vontade, acariciando a corrupção da natureza. Wesley aqui se adiantou à psicanálise que fala em “acariciar o ego (vontade)”. Seguindo a nossa vontade, avançamos na perversão de nossa vontade, e, satisfazendo-a aumentamos progressivamente a corrupção de nossa natureza. Assim, pela comida que seja agradável ao paladar, freqüentemente aumentamos a doença do corpo: ela gratifica o paladar, mas exacerba os distúrbios; traz prazer, mas também a morte.
Em conjunto, pois, o negarmos a nós mesmos é negar nossa própria vontade onde ela não se ajuste à vontade de Deus; e a negação de nossa vontade deve abranger as coisas que mais agradáveis nos sejam. É negar a nós mesmos qualquer prazer que não decorra de Deus e não conduza a Ele.
Quem pretende seguir a Cristo deve também “tomar sua cruz”.
A cruz é uma coisa contrária à nossa vontade, alguma coisa que repugna à nossa natureza. Assim, tomar nossa cruz é algo mais do que a negação de nós mesmos: sobe um pouco mais alto e é uma exigência mais difícil que se impõe à carne e ao sangue, sendo mais fácil sacrificar o prazer do que suportar a dor.
Correndo a carreira que nos está proposta, segundo a vontade de Deus, com freqüência encontramos uma cruz erguida no caminho: algo não agradável, mas doloroso. Algo que é contrário à nossa vontade, que é repugnante à nossa natureza.
Que se deve fazer então?
É simples: ou tomamos nossa cruz ou nos desviamos do caminho de Deus.
Wesley fala em cura da corrupção da natureza. Para curar aquela corrupção, aquela enfermidade cruel que todo homem traz consigo para o mundo, é necessário:
- Arrancar, por assim dizer, o olho direito, a mão direita;
- Romper com um desejo insensato, com uma afeição desordenada;
- Ou, separar-se do objeto dessa afeição , sem o que ela jamais será extirpada.
Sobre o arrancar o “olho” e a “mão”, Wesley diz que a “extirpação de tal desejo ou afeição, quando se tenha profundamente enraizado na alma, é geralmente semelhante a um golpe de espada, sim, como a divisão da alma e espírito, juntas e medulas. O Senhor então age sobre a alma como um fogo depurador, para queimar toda a sua escória. E isto é, na verdade, uma cruz; é essencialmente penoso.”
A alma não pode ser dividida, não pode passar pelo fogo sem que sofra dor.
Wesley diz ainda que romper com um desejo insensato é sempre penoso: “Os meios de curar a alma afetada de pecado, de curar o desejo insensato, a afeição desordenada, sempre são penosos, não por sua própria natureza, mas pela natureza da enfermidade”.
Ele cita um exemplo: quando Jesus disse ao rico para vender
tudo e dar aos pobres, ele se voltou triste. Esse era um fardo que ele não
podia alijar de si, uma cruz que ele não queria tomar.
O que significa o “tomar”?
Pouco difere do suportar a cruz.
Nós não tomamos propriamente nossa cruz, a não ser quando voluntariamente suportamos aquilo que estava a nosso alcance evitar; quando voluntariamente abraçamos a vontade de Deus, embora contrária à nossa; quando escolhemos o que é penoso, por ser a vontade de Deus.
O discípulo deve, portanto, tomar sua cruz e suportá-la. A cruz foi preparada por Deus. É-lhe dada por Deus, como um toque de Seu amor.
E, se o ser humano a recebe como tal e, depois de usar dos meios que a sabedoria cristã aconselha para remover o fardo, porta-se como o barro nas mãos do oleiro, tudo é disposto e ordenado por Deus para seu bem.
Em tudo isso vemos Jesus agindo como Médico de nossas almas, para nosso proveito, para que sejamos participantes de Sua santidade.
“Se, sondando nossas feridas, Ele nos faz sofrer, fá-lo apenas para as curar”. Ele “corta o que está putrefato ou arruinado, para preservar a parte sã.
Assim, tomar a sua cruz, não significa disciplinarmos a nós mesmos, não implica em flagelação de nossa própria carne, ou usar de qualquer coisa que nos possa alterar a saúde do corpo, mas significa acatar a vontade; escolher o remédio salutar, embora mais amargo.
Wesley diz também que o fato de alguém não ser inteiramente discípulo de Jesus é devido sempre à falta de negação de si próprio e à recusa em tomar sua cruz.
Em parte, isso pode ser à falta de meios de graça, ou seja, ouvir a verdadeira Palavra de Deus pronunciada com poder; à falta dos sacramentos ou da camaradagem cristã, mas onde nada disso falte, o grande tropeço armado é sempre devido à falta de negação de nós mesmos e de tomarmos a nossa cruz.
Ele cita um exemplo: alguém ouve a Palavra que é capaz de salvar-lhe a alma; ele se agrada com o que ouve, reconhece a verdade e sente-se tocado por ela; contudo, ainda permanece morto em delitos e pecados, insensível e desacordado.
Isto se dá porque ele não quer romper com o seu pecado predileto, conquanto reconhece ser uma abominação ao Senhor. Nenhuma impressão profunda a mensagem vai lhe dar, pois seu louco coração está endurecido, insensível e adormecido, porque não quer negar-se a si mesmo.
Suponhamos que ele comece a despertar do sono e seus olhos se descerrem em parte; por que estes tão profundamente se fecham de novo? Porque de novo cede a seu pecado querido; de novo serve ao agradável veneno. Ele não quer negar-se a si mesmo.
Temos muitos exemplos de pessoas que despertaram do sono e não mais dormiram.
Mas, no caso anterior, muitos não encontram o que procuram, choram e não são consolados, porque não produzem frutos dignos de arrependimento. Não cessam de praticar o mal. Não abandonam o pecado. Não alcançam a fé, porque não querem negar-se a si mesmo ou tomar sua cruz.
Há ainda os que receberam o dom celestial, viram a luz do Senhor, a paz de Jesus governa seu coração e mente e o amor de Deus foi derramado pelo Espírito, todavia, é agora fraco como qualquer outra pessoa. É que esta pessoa deu lugar ao diabo e entristeceu o Santo Espírito de Deus. Voltou-se novamente para algum pecado agradável. Deu lugar ao orgulho, ou à ira, ou ao desejo ou obstinação. Em resumo, Wesley diz que esta pessoa naufragou na fé por falta de negar-se a si mesmo e de tomar a sua cruz diariamente.
Mas talvez este ser humano não tenha naufragado na fé. Possui certa dose do Espírito de adoção, que testifica que ele é filho de Deus, entretanto, não está marchando para a perfeição, não suspira por toda imagem de Deus.
E por que ele está assim, senão porque se esqueceu de que “Pelas obras a fé se aperfeiçoa”? Ele não usa de toda diligência no realizar as obras de Deus. Não continua a insistir em oração. Não é zeloso nas obras de caridade. Não é misericordioso na medida das suas forças. Não serve fervorosamente ao Senhor.
Omite as obras de misericórdia e de piedade.
Portanto, sua fé não se aperfeiçoa, nem pode crescer na graça; e isto porque não quer negar-se a si mesmo e tomar diariamente a sua cruz.
Devido à falta de negação de si mesmo, ou de tomar a sua cruz, o ser humano não segue perfeitamente a seu Senhor, não é plenamente discípulo de Cristo. É devido a isto que o que está morto em pecados não desperta, embora soe a trombeta.
Podemos aprender - diz Wesley - que não conhecem as Escrituras, nem o poder de Deus, os que se opõem à doutrina da negação de si mesmo e do tomar diariamente sua cruz.
Aprendemos, daí, a causa real de muitas pessoas e corporações que se abrasavam e despendiam lampejos, agora perderam sua luz e calor.
O ministro do Evangelho deve falar dessa doutrina freqüentemente; deve imprimi-la com toda sua força sobre as pessoas, em todos os tempos e em todos os lugares. Assim, salvará sua própria alma e as daqueles que o ouvirem.
Wesley conclui dizendo que cada um deve aplicar essa doutrina
à sua própria alma. Deve meditar sobre essa verdade. Tomar cuidado de não só a
compreender inteiramente, mas de recordá-la até o fim de sua vida! Praticá-la
imediatamente e diariamente até que seu espírito volte para Deus.[4]
A circuncisão do coração
“Circuncisão é a do coração, no espírito, e não na letra” (Rm 2.29; Fp 3.3; Cl 2.11-15).
Wesley pregou esse sermão na Universidade de Oxford. Começa dizendo que o homem sensato que prega os deveres essenciais do Cristianismo corre o risco de ser tido como divulgador de doutrinas novas. As pessoas vivem tão distantes das verdades, amam mais o mundo do que a Deus, que acham que as mensagens são coisas estranhas.
Ele diz que a circuncisão do coração, as marcas do verdadeiro cristão não “são nem a circuncisão exterior, ou o batismo, ou qualquer outra forma externa, mas um reto estado de alma, a mente e o espírito renovados à imagem daquele que os criou”.
Em que consiste a circuncisão do coração?
É o que se chama nas escrituras de santidade, que implica em purificação de pecados e, em conseqüência, o cristão passa a ser “dotado das virtudes que também havia em Cristo Jesus; ser renovado no espírito de sua mente, de modo a ser perfeito como nosso Pai celestial é perfeito”.
“A circuncisão implica em humildade, fé, esperança e caridade.”
A humildade é uma justa apreciação de nós mesmos. Ela purifica nossas mentes do alto conceito, “da indevida opinião acerca de nossas capacidades e talentos, que é genuíno fruto da natureza corrompida.”
“Convence-nos de que somos, por natureza, mesmo em nossa melhor condição, pecado e vaidade; que a confusão, a ignorância e o erro reinam em nosso entendimento; que as paixões irracionais, terrenas, sensuais e diabólicas usurpam o domínio de nossa vontade.”
Sabemos que não podemos nos auxiliar, que sem o Espírito Santo nada podemos fazer, nem nutrir um bom pensamento.
Pela humildade conhecemo-nos a nós mesmos, por isso, não desejamos o aplauso que sabemos não merecer.
“Esta é aquela humildade de mente que aprenderam de Cristo, seguindo seu exemplo e marchando em suas pegadas.” E esse conhecimento da enfermidade e a cura das enfermidades (orgulho e vaidade) nos levam a abraçar a fé, que é a segunda coisa que se inclui na circuncisão do coração.
Mas essa deve ser uma fé poderosa em Deus, que derruba fortalezas, destrói preconceitos e todos os costumes e hábitos ruins, bem como toda sabedoria do mundo.
Pela circuncisão do coração, os olhos do entendimento são iluminados e vemos a nossa vocação: glorificar a Deus, que nos comprou por preço elevado.
Essa fé é o fundamento inabalável de tudo quanto Deus revelou nas Escrituras, mas é também “a revelação de Cristo em nosso coração; uma divina evidência ou convicção de Seu amor; Seu livre espontâneo amor a mim, pecador; uma segura confiança em Sua misericórdia perdoadora operando em nós pelo Espírito Santo; uma confiança pela qual todo verdadeiro crente é habilitado a dar este testemunho: 'Sei que meu Remidor vive', que tenho um 'Advogado junto ao Pai' e que 'Jesus Cristo, o Justo', é meu Senhor e a 'propiciação pelos meus pecados'; sei que Ele 'me amou e entregou-se a si mesmo por mim'; que Ele me reconciliou com Deus e 'tenho redenção pelo sangue e o perdão de pecados”.
Essa fé liberta do jugo do pecado e purifica a consciência de obras mortas. Fortalece de tal modo que não mais somos constrangidos a obedecer ao pecado, mas nos entregarmos inteiramente a Deus.
A outra qualidade em que implica a circuncisão do coração é a esperança. O Espírito testifica no nosso próprio espírito de que somos filhos e filhas de Deus.
É o Espírito quem “dá uma viva expectação de receber das mãos de Deus todas as boas dádivas, uma jubilosa expectativa daquela coroa de glória que lhes está reservada nos céus. Por essa âncora, o cristão se guarda firme em meio das ondas tempestuosas do mundo, sendo libertado do perigo de lançar-se contra uma destas escolhas fatais; a presunção ou o desespero”.
Não desanima em face da inconcebível severidade de seu Senhor, nem considera que as adversidades da carreira que lhe está proposta sejam maiores do que as suas forças lhe permitam vencer.
Se desejas ser perfeito, junte às virtudes citadas, a prática do amor “e aí tens a circuncisão do coração”.
“O amor resume em si todos os mandamentos. Nele está a perfeição, a glória e a felicidade. A lei real dos céus e da terra é esta: 'Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, e de toda a tua alma, e de toda a tua mente, e de toda a tua força.”
Wesley diz algo importante: “Não que esse mandamento nos proíba de ter amor a outro objeto além de Deus: implica, ao revés, em que amemos também a nosso irmão. Nem proíbe (como alguns têm a extravagância de imaginar) que tenhamos prazer em qualquer coisa, exceto em Deus”.
O que o Senhor diz é que devemos amar a Deus como único Senhor. Não devemos ter outros deuses diante de nós. Uma só coisa desejarás: gozar daquele que é Tudo em todas as coisas. Um único objetivo terás: perseverar até o fim no gozo de Deus, no tempo e na eternidade. “Seja o que for que desejas ou temas, que procures ou evites, penses, fales ou faças - nisso palpite como alvo tua felicidade em Deus, o Fim único e a Fonte de teu ser.”
A procura da felicidade nas coisas do mundo gratifica o desejo da carne.
Wesley passa a mencionar as reflexões que fez sobre o significado da circuncisão do coração: “Ninguém possui credenciais que o habilitem a agradar a Deus, a não ser que seu coração seja circuncidado pela humildade; a não ser que se faça pequenino, baixo e vil a seus próprios olhos (...), a não ser que continuamente sinta no íntimo de sua alma que, sem o Espírito Santo, repousando sobre si, não pode pensar, nem desejar, nem falar, nem realizar nenhum bem, ou coisa que seja agradável à vista de Deus.”
Outra verdade - diz Wesley - “é que ninguém obterá a honra que vem de Deus enquanto seu coração não for circuncidado pela fé, uma fé de operação divina”.
Uma fé que dirija todos os passos, que “guie todos os seus desejos, desígnios e pensamentos, todas as suas ações e conversações, como quem penetrou através do véu, para além do qual Jesus se assenta à mão direita de Deus”.
Em terceiro lugar, “ninguém é verdadeiramente conduzido pelo Espírito, a não ser que o Espírito testifique com seu espírito, que ele é filho de Deus”.
Wesley adverte que é errado ensinar que servindo a Deus não devemos ter em vista a nossa própria felicidade. Ao contrário, diz ele, somos chamados por Deus a atentarmos para a recompensa da retribuição; a contrastar o sofrimento com a alegria colocada dentro de nós. Estamos na esperança de uma herança incorruptível.
Por fim, Wesley fala do amor que suprime toda a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a vaidade da vida e nos leva unicamente a agradar a Deus e a amar ao próximo.
Diz ele: “Eis, pois, aí a súmula da lei perfeita; esta é a verdadeira circuncisão do coração”. Diz mais: “Que o homem se ofereça continuamente a Deus através de Cristo, em chamas de vivo amor”.
Ele conclui dizendo: “Que tua alma se encha tão completamente de seu amor, que não ames a qualquer outra coisa senão por amor dele”. Assim teremos a mente que houve em Cristo.[5]
A perfeição Cristã
“Não digo que eu já tenha alcançado, ou que seja já perfeito” (Fp 3.12).
Wesley diz que dificilmente haverá uma expressão bíblica que tenha causado maior escândalo do que esta. Muitos não podem suportar a palavra perfeito. Para muitos é abominação. Mas não podemos deixar de lado essa expressão, pois é Palavra de Deus e não de homens.
Em que sentido os cristãos não são perfeitos?
Primeiro, não são perfeitos em conhecimento.
Sabem muitas coisas do mundo presente e mundo vindouro; sabem as verdades gerais que Deus revelou; conhecem o amor de Deus; conhecem o poder do Espírito e a sabedoria de Sua Providência; sabem como guardar livre de ofensa a consciência.
Mas são inumeráveis as coisas que ignoram. No tocante ao próprio Todo-Poderoso, não podem apreendê-lo com perfeição. Não lhes cabe conhecer os tempos e épocas em que Deus realizará sobre a terra suas grandes obras; muito menos sabem quando Deus preencherá seus eleitos e apressará Seu Reino. Não sabem as razões de muitas das dispensações de Deus sobre a terra e na vida das pessoas.
Ninguém, portanto, é, nesta vida, tão perfeito que esteja livre da ignorância.
Em segundo lugar, ninguém é tão perfeito que esteja livre do erro.
Na verdade, é uma consequência quase inevitável da ignorância, visto que os que conhecem em parte estão sempre sujeitos a errar no tocante às coisas que não conhecem.
É verdade que os filhos e filhas de Deus não erram acerca dos pontos essenciais da salvação: não tomam as trevas por luz ou a luz por trevas.
Mas, quanto as coisas não essenciais à salvação, eles erram freqüentemente. Os melhores e mais sábios dos homens com freqüência se enganam.
Pensam que certas ações passadas ou presentes sejam boas, porém, são más e que sejam boas as que eram ou são más. Por isso, eles podem proferir juízo em desacordo com a verdade, relativamente ao caráter dos homens.
Em relação as Escrituras Sagradas, por mais cuidadoso que sejam, estão sujeitos a errar, e erram dia após dia. Por isso é que os filhos de Deus não estão concordes na interpretação de muitas passagens da Bíblia, nem sua diferença de opinião fornece qualquer prova de que não sejam filhos de Deus; mas prova que não devemos esperar que qualquer homem vivo seja mais infalível do que onisciente.
Quando a Bíblia diz: “Tendes a unção do Santo e conheceis todas as coisas” (I Jo 2.20), o que está sendo dito é que 'Vós conheceis todas as coisas que são necessárias à salvação da alma'. O apóstolo jamais teve em mente ir mais longe. Por isso, há orientações, como: “Essas coisas vos escrevi no tocante aos que vos enganam”.
Em terceiro lugar, ninguém é tão perfeito que esteja isento de fraquezas.
Não devemos dar esse doce título a pecados conhecidos como: “Todo homem tem sua fraqueza, a minha é a bebida”, outro tem o hábito de chamar o seu irmão de “tolo”, e outro ainda o hábito de tomar o Santo nome de Deus em vão.
É claro, diz Wesley, que todos que agem assim, se não se arrependerem, irão com todas as fraquezas para o inferno!
Por fraqueza, quero dizer toda fraqueza corporal e todas as imperfeições internas ou externas que não sejam de natureza moral. Tais são as fraquezas ou a estupidez de entendimento, obtusidade ou confusão de compreensão, a incoerência de pensamento, a irregular acuidade ou a morosidade da imaginação. Tais são os que têm falta de memória; tais são os que sentem lentidão no falar; denotam impropriedade de palavras, desgraciosidade de pronúncia, a que se pode aduzir um milhar de defeitos sem nome, seja na conversação, seja na atitude. Estas são as fraquezas que, em proporção maior ou menor, se encontram nos melhores homens. E disto ninguém pode esperar ser perfeitamente libertado, até que o espírito volte para Deus que o deu.
Em quarto lugar, ninguém é tão perfeito que esteja totalmente liberto de tentação.
Semelhante perfeição não pertence a esta vida.
É verdade que alguns se entregando à impureza não percebem a tentação a que não resistem; e assim parece estarem isentos dela.
Sei que também há filhos de Deus, que sendo justificados, tendo alcançado redenção no sangue de Jesus no presente, não experimentam tentação. Pode ser que, por semanas ou meses, Ele os faça flutuar nas alturas, acima dos dardos inflamados do maligno. Mas este estado não dura para sempre, como podemos aprender com o próprio Filho de Deus que foi tentado.
A perfeição cristã, portanto, não implica em isenção da ignorância, do erro, das fraquezas ou tentações. Neste sentido, não existe perfeição na terra.
Não há perfeição que não admita crescimento. Por mais elevado que seja o grau de sua perfeição, ele ainda tem necessidade de crescer na graça e avançar diariamente no conhecimento e no amor de Deus.
Em que sentido os cristãos são perfeitos?
Wesley diz que na vida cristã há diversos estágios, sendo alguns dos filhos de Deus apenas criancinhas recém-nascidas e outros tendo já alcançado maior madureza. Ele cita 1 João 2.12.
Diz que São João chama alguns de meninos: “Eu vos escrevo, filhinhos,” - porque os vossos pecados são perdoados: porque avançastes até este ponto; sendo justificados livremente, tende paz com Deus mediante Jesus Cristo”.
Eu vos escrevo, moços, porque vencestes o maligno, “porque sois fortes, porque a Palavra de Deus permanece em vós”. Apagastes os dardos inflamados do maligno - dúvidas, temores com que ele perturbava a vossa primitiva paz; o testemunho de que vossos pecados foram perdoados permanece em vós”.
Eu vos escrevo, pais, porque conheceis aquele que é desde o princípio. Conhecestes, do íntimo de vossa alma, tanto o Pai como o Filho e o Espírito de Cristo. Vós sois “perfeitos”, tendo crescido até a medida da estatura da plenitude de Cristo.
Destes chamados “pais”, é que Wesley diz que trata, porque somente estes são perfeitos cristãos.
Depois de uma longa observação, com textos bíblicos, com comentários, Wesley diz: “De conformidade, pois, tanto com a doutrina de São João, como com todo o teor do Novo Testamento, firmamos esta conclusão: O cristão é tão perfeito que não comete pecado”.
Mas é somente dos que são fortes no Senhor e venceram o maligno, ou, antes, dos que conheceram o que é desde o princípio, que se pode afirmar que são, em tal sentido, perfeitos e, em segundo lugar, estão livres dos maus pensamentos e das inclinações perversas.
Os pensamentos relativos ao mal nem sempre são maus pensamentos. Podemos pensar sobre um homicídio que outro tenha praticado. Isto não é mau pensamento, nem pensamento pecaminoso. Pensamentos desta espécie, certamente, Jesus teve.
Se o Senhor estava isento de pensamentos maus ou pecaminosos, do mesmo modo o estão seus servos.
Do coração é que procedem os maus pensamentos. Se o seu coração deixou de ser mau, então os maus pensamentos não mais podem proceder dali (Mc 7.21).
Jesus disse: “Toda árvore boa produz bom fruto” (Mt 12.17-18).
Paulo também disse: “As armas de nossa milícia não são carnais, mas, sim, poderosas em Deus, para a destruição de fortalezas” (2Co 10.4).
Assim, os cristãos são libertos dos maus pensamentos e, em segundo lugar, são libertos das inclinações perversas.
Jesus disse: “O discípulo não é maior do que seu Senhor, mas todo que é perfeito será como seu Senhor”. O que é perfeito será como seu Mestre.
Amarás aos seus inimigos e fará o bem aos que lhe perseguem.
O Mestre estava isento de todas as tendências perversas. Assim, pois, é o seu discípulo, ou seja, todo real cristão.
Cada cristão real pode dizer com São Paulo: “Estou crucificado com Cristo”. Palavras que descrevem a libertação do pecado, tanto interior como exterior.
Aquele, pois, que vive nos verdadeiros crentes “purificou seus corações pela fé”. Ele purifica do orgulho, porque Cristo era humilde de coração. Purifica da obstinação ou cobiça, porque Cristo desejava somente fazer a vontade de seu Pai e cumprir Sua obra. Purifica da ira, porque Cristo era manso e suave, paciente e longânimo.
Assim, Cristo salva Seu povo de seus pecados. Não só de pecados exteriores, mas dos pecados do seu coração; dos maus pensamentos e das tendências más.
Assim, cumpre o Senhor as coisas que Ele falou pelos santos profetas: “Circundarei teu coração, e o coração de teus filhos, para que ames o Senhor teu Deus de todo teu coração e de toda tua alma” (Dt 30.6).
Diz ainda Wesley: “Purifiquem-nos a nós mesmos de toda imperfeição da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus”.
Ele conclui: “Uma coisa façamos: esquecendo as coisas que
ficaram para trás, e avançando para as que estão adiante, corramos em direção
ao alvo do prêmio de nossa alta vocação de Deus em Cristo Jesus, clamando a Ele
dia e noite, até que também sejamos transferidos do jugo da corrupção para a
gloriosa liberdade dos filhos de Deus”.[6]
[1] Estude todo o sermão em Sermões de Wesley, volume 2, entre as páginas 460 e 471. WESLEY, Sermões de Wesley. Tradutor Nicodemus Nunes. São Paulo: Imprensa metodista, 1953.
[2] Verifique este estudo em Sermões de Wesley, volume I, entre as páginas 257 e 271. WESLEY, Sermões de Wesley. Tradutor Nicodemus Nunes. São Paulo: Imprensa metodista, 1953.
[3] A totalidade deste estudo está em Sermões de Wesley, volume 2, entre as páginas 402 e 418. WESLEY, Sermões de Wesley. Tradutor Nicodemus Nunes. São Paulo: Imprensa metodista, 1953.
[4] Verifique todo este estudo em Sermões de Wesley, volume 2, entre as páginas 442 e 454. WESLEY, Sermões de Wesley. Tradutor Nicodemus Nunes. São Paulo: Imprensa metodista, 1953.
[5] Para um melhor entendimento, leia todo sermão em Sermões de Wesley, volume I, entre as páginas 350 e 362. WESLEY, Sermões de Wesley. Tradutor Nicodemus Nunes. São Paulo: Imprensa metodista, 1953.
[6] A mensagem completa, pode ser encontrada em Sermões
de Wesley , volume 2, entre as páginas 281 e 302. WESLEY, Sermões de Wesley. Tradutor
Nicodemus Nunes. São Paulo: Imprensa metodista, 1953.
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